sábado, 31 de outubro de 2009

Alçando vôo






Épico. Filme de ação. Artes Marciais. O que tudo isso têm em comum? Não se encaixam de jeito nenhum nos estilos de cinema feitos no Brasil. Isso, é claro, até o aparecimento de "Besouro".

Besouro é um filme que se passa nos anos 20 no Recôncavo Bahiano. O cadomblé era oprimido e a capoeira proibida. Mesmo depois de 40 anos sem escravidão, os negros continuavam a ser igualmente tratados como escravos. Esse é o contexto do filme. Ufa, ainda bem, tem discussão de problemas sociais. É ainda um legítimo filme brasileiro. O resto dos ingredientes pra esse acarajé fílmico é que deixam o prato interessante.

Alguém já imaginou ter um filme de capoeira coreografado por um mestre chinês de artes marciais? Então, tá aqui o que você queria! O nome desse onorável oriental é Huan-Chiu Ku. Nada mais nada menos que dublê de Jet Li e coreógrafo de lutas de filmes como Kill Bill e O Tigre e o Dragão. No mínimo foda. E é mesmo. Ver um filme nacional com esse estilo e toda essa perfeição na categoria é maravilhoso.

Passado essa colaboração inusitada, vamos aos outros aspectos do filme. Direção de João Daniel Tikhomiroff. Who the fuck is João Daniel Tikhomiroff?! Esse cara não é um novato. Ele dirigiu filme antes. Em 72! E era isso. Como ele veio à tona depois de tanto tempo, não faço a mínima ideia. O que se sabe é que ele não ganhou 48 Leões em Cannes por premiações publicitárias.
Caralho, o cara é demais. Planos e cenas absolutamente lindos e muito perfeitos. E ter uma mentalidade voltada para rodar um filme de ação num país considerado sem verba pra esse tipo de "luxo" é uma vitória ainda maior.

A reconstituição de época é muito convincente. Direção de arte do Cláudio Amaral Peixoto. Esse é mais conhecido que o diretor. Esteve em produções como "Última Parada - 174", "Meu Nome Não É Johnny", "Guerra de Canudos" e "Cazuza - O Tempo Não Para."
A fotografia é tão linda e perfeita como a direção. Obra do também internacional Enrique Chediak. Equatoriano em processo de radicamento para o Brasil, Enrique faz um baita esforço pra ter uma fotografia estilosa e nem perceptivelmente exagerada.

Na trilha sonora consta Gilberto Gil e Nação Zumbi. E toda música instrumental é muito boa.

Ah, a preparação de elenco é da Fátima Toledo, famosa por Pixote - A Lei do Mais Fraco, Cidade Baixa, Central do Brasil, Cidade de Deus e Tropa de Elite. Aliás, quase ninguém tinha noção do que era uma preparação de elenco até o surgimento da Fátima no cinema brasileiro.

O roteiro segue uma linha com alguns clichês, mas recobre o filme com momentos suficientemente bons e significativos para fazer a história valer a pena. O filme trata da cultura negra, da exploração do homem pelo homem, da perseguição religiosa e de costumes. Muito mais do que filme "social" ou filme onde o embate é só na base da porrada, há momentos esperituais bastante inesperados. A pessoa sai do cinema com alguma divindade do candomblé na cabeça.

Acho que o filme é muito bom. Artísticamente e monetariamente. Não só isso, também tenho fé de que ele vai ser um momento histórico. Todo dinheiro da Petrobrás, Siderúrgica Nacional e da Odebrecht(o filme é quase um produção lulista) valeram a pena. Uma ruptura de gêneros, de alguns paradigmas e ransos dos rolos já quase envelhecidos do chamado "cinema nacional".



"Um besouro é pesado. Não foi feito pra voar. E ainda assim voa."

domingo, 25 de outubro de 2009

Monstruosidades coreanas



Mistureba boa de filme de monstro, denúncia política, drama, suspense e até um tanto de comédia. É assim "O Hospedeiro", de Bong Joon-ho. Nesse aqui, as treta são coreana.

Um mostro criado à partir de lixo tóxico ataca uma cidade coreana. Uma família é dividida e posto em quarentena. Hmmm, parece que já vimos esse filme, né? Só com um lagarto gigante destruindo Tóquio, não?
Uma grande diferença desse filme para um Godzilla que é todo tosqueira japa ou blockbusterianismo da sua versão hollywood é que a atmosfera do filme nunca cruza a linha de virar um filme catástrofe aventura. O foco é na vida de algumas pessoas que não tem suporte do governo para ir atrás de um possível sobrevivente. O exército está nas ruas caçando a criatura, mas também atrapalhando a busca. ninguém do serviõ médico acredita que esse sobrevivente realmente ligou para o celular de uma das pessoas na quarentena. Ao invés disso, o homem que recebeu a chamada é tratado como temporariamente insano. Há uma crítica forte à influência americana na Coréia. Seja no laboratório causador, seja na política de intervenção para controlar a quarentena.
Nesse filme tem drama de verdade meu amigo, não é um passeio na garupa de um monte de efeitos especiais ou maquetes sendo destruídas. A trama em que os personagens se enredam é complicada e agoniante na medida certa. Atuações muito boas deram expressão pra família protagonista. E os efeitos estão lá sim. Aliás, muito perfeitos.

Enfim, essa mistura toda é que faz o filme ser bem feito e ter originalidade mesmo com uma premissa conhecida. Tem todos quesitos técnicos e artísticos bem afiados e não à toa foi sucesso recorde de bilheteria na Coréia do Sul. O cinema coreano é digno de se dar atenção, até porque deve haver um motivo para ser um dos poucos países que consomem mais filme locais que estrangeiros. Num país que não tem mais território que o Paraná. Foda...

sábado, 24 de outubro de 2009

O fim, o início e o meio




"Apenas o Fim" tem por si só uma história de produção muito boa. Feitos por estudantes de cinema da PUC-Rio, parte do orçamento veio de uma rifa que o diretor, de 22 anos, fez com um whiskey do pai. Depois, foi arrecadando prêmios e mais prêmios até ser patrocinado

No mínimo o filme é o retrato dessa geração Z moderninha, indie, descolada e muito "aculturada". Poderia ter sido feito pela MTV. Ou pela produtora do Beco aqui de Porto Alegre.

Os personagens praticamente se resumem a um casal. E o filme se resume à discussão de relação com diálogos muito bons. E os diálogos muito bons se resumem em grande parte à citações à cultura pop, como se adora falar.
Isso às vezes parece até exagero e uma simples colagem de citações, mas o filme tem suficiente estrutura. As situações são levemente forçadas e fora da realidade, mas o filme é extremamente cativante e fala direto para o coraçãozinho dessa juventude de hoje e um tanto de ontem.

Esse Matheus Souza está me parecendo mais um Woody Allen que um Tarantino no quesito diálogo. Citações pop, relacionamento, situações levemente forçadas, simplicidade técnica. Ah, tem até Los Hermanos na trilha.

" - Como cê consegue gostar mais de Transformers do que todos filmes do Godard?
- O que pode ser melhor que carros que viram robôs de 15 metros de altura?"

À favor da desinformação




Aguentando o início um pouco parado, ainda confuso para o espectador e sem muita graça, O Desinformante é um filme muito bacana.
É um dos poucos filmes que se baseam em fatos reais, num evento de seriedade e conseguem não ser pregadores ou sérios ou politicamente corretos. O filme vão encorpando com o tempo e levemente se trajando de um filme de espião das antigas.

Fotografia em tons marrons e amarelos, quase parecendo que tem fotogramas envelhecidos. Sempre lembrando que o próprio diretor Steven Soderbergh faz a direção de fotografia, sob o pseudônimo de Peter Andrews.
Trilha sonora muito boa do Marvin Hamlisch(compositor do 007 - O Espião que me Amava) que incorpora ora vinhetas desconcertantes, ora música de ambiente típicas de vídeos publicitários de "This is the american dream coming true. A peaceful neighborhood, similing kids and a beautiful wife." As vinhetas muitas vezes vem acompanhadas de letras coloridas espalhafatosas para indicar em que lugar a cena se desenrola. Digno de James Bond, só ainda mais tosco.

A trama real, tirada do livro do jornalista Kurt Eichenwald, se inicia com um bioquímico, Mark Whitacre, que é parte da ADM, uma empresa de industrialização do milho. Isso, milho! Hiper interessante... Acontece que o negócio é bem mais profundo e vai degringolando de tal maneira que quanto mais perto do fim, mais enrolado o personagem fica na sua própria teia de aranha. Mark decide colaborar com o FBI à partir de uma tentativa de extorção que a ADM recebe. O que vem a seguir é que ele gradativamente vai revelando os podres do lado da ADM também. Ah, e os podres dele também. Essa última parte, quase se esquecendo.

Como um desinformante profissional, o Mark Whitaker feito pelo Matt Damon parece um James Bond desengonçado e sem charme. Quase mais atrapalha do que ajuda. Quanto mais ele se envolve em gravar fitas comprometedoras dos colegas, mais ele fica num estado de crise de indentidade, já que vive duas vidas paralelas. O melhor de tudo isso é ver o comportamento bizarro de Mark traduzido numa narração que faz constatações aparentemente sem motivo nenhum. Quando os nós vão se desatando, elas fazem mais sentido, enquanto Whitacre faz ações cada vez mais contraditórias.

É um filme de denúncia, sem dúvida. Sem se esquecer que se trata de seres humanos, personagens de verdade. O filme poderia ser uma mini-epopéia agoniante, com toda sua complexidade e assunto sério e indignante. Ainda bem, podemos ver que um encontro de homens de terno é uma cena do crime e podemos rir de tudo isso.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Revisando os bastardos

Só pra mim me retratar, Bastardos Inglórios não tem os defeitos que eu posso ter listado no outro texto. Com meu segundo ingresso em mãos, percebi que o filme é ainda melhor do que eu tinha percebido. Os roteiros são sim bem paralelos e quase discrepantes como eu avaliei, mas desse vez percebi que há um divisão igualitária de capítulos para cada trama. E quanto a música, continuo achando estranho só o uso de músicas que Tarantino já usou antes no Kill Bill, porém só uma delas é perceptível de verdade(L'Arena), a outra (White Lightning)só pra quem ouviu ela inteira na trilha sonora. De resto, achei que a quantidade de músicas dentro e fora de contexoto histórico foi equilibrida e bem utilizada. Cat People(Putting Out Fire) do David Bowie tem um letra que faz sentido o seu uso com destaque. Aliás, do que eu reclamei? É o filme do Tarantino com mais Ennio Morricone na trilha! Perfecto!

To quase garantindo meu 3º ingresso. Prevejo que Inglourious Bastards está para 2009 o que Cavaleiro das Trevas esteve para 2008. O filme do ano, pelo público, crítica e pelo bom gosto.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os verdadeiros Bastardos Inglórios




Claramente um spaghetti. O nome dos envolvidos não nega. Enzo Castellari é um diretor que fica entre o cult, o trash e o bom. Ou o bom, o mau e o feio. Trilha sonora exagerada, atuações e efeitos especiais meio canastrões.Aquele zoom cretino da câmera. E o melhor, a falta de personagens com algum valor moral.
Algo que os filmes italianos dos anos 60 e 70 que queriam ser de Hollywood conseguem em alguns aspectos serem muito melhores que a sua aspiração. Na mesma linha dos faroestes de Sergio Leone, os personagens mais parecem caçadores de recompensa do velho oeste metidos em meio a Segunda Guerra Mundial. Lembrem-se que nos filmes com o Clint Eastwood não há Unionistas bonzinhos contra Confederados maus, não há brancos civilizadores contra índios escalpeadores, não há mocinhos contra bandidos.

Nesse "Inglourious Bastards" de 1977, inspiração pro último filme do Tarantino, não há protagonistas americanos e aliados bonzinhos contra nazistas maus. São um bando de losers, condenados à fuzilamento por traição. Ao mesmo tempo esses portagonistas são muito espertos e verdadeiros foras da lei, sem conduta marcial, se preocupando mais com a própria pele e usando a guerra como uma profissão da onde tiram alguns punhados de dólares. As maiores diferenças para um faroeste são a troca de ambiente, a troca de revólveres por metralhadoras e o trabalho em equipe ao invés da carreira solo dos homens durões dos desertos.

Melhor que tudo isso é o título original. Quel Maledetto Treno Blindato. Hehehe, lindo :)

domingo, 18 de outubro de 2009

Freneticidade de outro mundo




Distrito 9 tem uma premissa fantástica. Aliens entre nós, perdidos, que são isolados do convívio humano. Um apartheid metafórico. Com todo o sentido, afinal a produção é em parte sul africana. Um personagem que sente na pele o tratamento aos aliens, no que se torna uma humanização dessas criaturas que mais parecem camarões.

Efeitos especiais de cair o queixo. Realmente, não só para os momentos de ação, porque os aliens são personagens e todos feitos em computador de modo impressionante. A direção do estreiante Neill Blomkamp é de tirar o chapéu.

Agora, a parte ruim. O filme acaba dividido entre uma ótima metade ficção científica e outra enjoativa e loucamente frenética metade ação. O desenvolvimento do roteiro deixa muito a desejar. Esperava muito mais interação entre humanos e aliens diferentes, entreando em contato de outras maneiras. O meio pelo qual mais entram em contato acaba sendo num corre-corre com balas zunindo à todo tempo. Estraga-se o início muito bom, feito com uma série de entrevistas estilo documentário. A câmera perceptivelmente na mão de um cameraman acaba virando aquela coisa estilo Cloverfield. Excelente para ação, mas chegando a dar nâusea devido ao exagero do tempo dedicado à ação. Fora os clichês que vão surgindo, até o ponto ridículo de ouvir-mos um "vá sem mim!"

Enfim, premissa melhor que desenvolvimento do roteiro. Inicialmente parece que haverá uma boa discussão sobre as condições que humanos impoem outros humanos, com criatividade sem pieguiçe. Depois, parece que o lado "social" tá ali só pra dizer que está ali. Peter Jacksson nos apresentou um diretor com futuro mais promissor para um Independence Day 2 do que para um Planeta dos Macacos.

sábado, 17 de outubro de 2009

"Pra sobreviver aqui, você precisa sentir que já morreu." Ernesto "Che" Guevara de la Serna




Técnicamente muitíssimo bem feito. Sensação de uma selva não exótica, não bela, não bucólica e sim agoniante. Roteiro mostrando todos momentos históricos relevantes para a trama. Interpretações excelentes, inclusive de coadjuvantes desconhecidos como atores e como personagens históricos(Cristian Mercado por exemplo). A narrativa é menos interessante que a da 1ª parte pois é estritamente linear, sem pulos para frente e para trás no tempo.

Diferentemente de um Oliver Stone da vida, o roteiro de Peter Buchman e Benjamin A. Van der Veen tem base num registro histórico do próprio Guevara, não fazendo de suposições fatos. O radical mais aguerrido talvez ache que há passagens suficientes para exaltar demais aquele ser humano e que há passagens históricas negativas deixadas de lado. Bom, não sou PHD em história guevarista, portanto meu aval está completamente condensado em um dos últimos diálogos do filme.
SPOILER, NÂO LEIA SE NÂO QUISER ESTRAGAR SURPRESAS
Um oficial do exército boliviano é perguntado pelo Che, já capturado, se ele é um cubano. O oficial responde afirmativamente. Che retruca: - Não falo com traidores.
Então o oficial encerra respondendo: - Você mandou fuzilar meu tio. – pausa – Deve ser difícel comandante, estar aí enfurnado na selva, enquanto Fidel está à essa hora almoçando no hotel El Nacional.

FIM DE SPOILER

Isso encerra tudo. Tudo pelo qual Ernesto Guevara de la Serna lutou esteve morto ainda antes do próprio Che ser assassinado. Não acho que ele fez o fim que justificou os meios, nem foi meramente enganado por um espertalhão cubano, barbudo e fumador de charutos. Che sabia o que fazia. Sabia que era radical. O problema é que acreditava que se podia consolidar uma sociedade pacífica mesmo que ela inicie-se por uma luta armada. Essa é a lenda que muita gente achava verdadeira ao longo do século XX. Seus fins tampouco justificaram os meios. Tudo praticamente inútil. Fidel foi manipulador e um “vendido”, mas ainda assim, foi amigo de Guevara, o que leva a crer que Che tem alguma culpa de se aliar à ele.

Ernesto “Che” Guevara foi cruel. Foi honesto. Foi amoroso. Foi idealizador. Realizador de um caos. Enfim, muitas contradições, típicas de quem vive nos extremos. Acho que nada pelo que ele lutou valia realmente a pena, porque não funcionaria e não funcionou. Entretanto posso dizer que ele tinha um código de ética pelo menos para com seus companheiros. Mandou fuzilar crianças contra-revolucionários, mas elas eram “inimigas”. Exagerado. E era o último a comer entre seus guerrilheiros. Não aguentou trabalhar em um escritório do Partido em Cuba, preferia cortar cana no sol. Não aguentou ficar estagnado em Cuba, com um dirigente que se aliou aos soviéticos ao invés de seguir o caminho da independência. Não quis morrer de velho, quis morrer tentando, mesmo que tentando o errado e o improvável. Teve a morte que mereceu. Teve a morte que desejava. Não resta mais nada à debater, isso é tudo que ele foi e o que restou dele para nosso imaginário.

"Fuzilamentos, sí. Tenemos fuzilados. Fuzilamos y seguiremos fuzilando siempre que necessario."

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Glorioso e mais glamouroso




Filme do Tarantino. ok. Dessa vez, usando um ator em alta no momento(Brad Pitt). Hmmm, ok, isso ele não tinha feito antes(John Travolta, Samuel L. Jacksson, Uma Thurman, David Carridene e outros foram atores descobertos ou completamente apagados quando Tarantino chamou-os ao barco), mas não é demérito nenhum. Inclusive, é ótimo para bilheteria e o bonitinho de Hollywood tem ótimas pra atuações. Talvez a decisão tenha sido um pouco em função do certo fracasso do projeto Grindhouse. Originalmente lançado como dois filme em um, o último filme do Tarantino que constava nesse projeto,À Prova de Morte, junto com seu hermano pobre Robert Rodriguez, com seus Planeta Terror(terrível, aliás), afundou como promessa. Primeiramente, com dois filmes em um, mesmo editados, ele tinha 3hrs de duração. Demais pra quem quer ver filmes divertidos. Diria também que a discrepância entre um segmento e outro possa ter ajudado como falha. Assistir um ótimo filme do Tarantino e ter que aguentar em seguida um trashume tedioso no resto da sessão de cinema não vale um ingresso inteiro. No Brasil, mal se cogitou lançar os dois filmes juntos nesse formato Grindhouse. E pra piorar, escolhem o Planeta Terror pra fazer carreira solo no Brasil primeiro. E pra piorar ainda mais, À Prova de Morte não está disponível aqui nem sequer nas locadores. What the fuck?! Não sei quem foi o brilhante distribuidor, mas não consigo pensar em uma cagada mais fenomenal nessa área nesses últimos anos.

Seguindo, agora é um filme de época. Hmmm, muito interessante. Como manter certos aspectos modernosos-estilosos-tarantinescos nesse contexto? Há alguns erros, mas há também uma mudança de foco estilístico que eu não esperava. Mudança verdadeira e excelente.

Que foco é esse? Bom pra não assustar nenhum fã, o roteiro mantém pilares do Quentin suficientes pra reconhecermos a sua obra. Diálagos, personagens, elementos trash, trilha sonora pesquisada, roteiro em capítulos... Inicialmente o roteiros tem duas histórias muito paralelas entre si, com discrepância de estilos inclusive, de maneira como não existia antes. Isso soa um pouco defeituoso, parecendo que Quentin Tarantino pensou em duas histórias diferentes, com estilos diferentes, e decidiu fusiona-las. No andar da carruagem, as coisas começam a se acertar melhor e fazem o sentido final que deveriam ter. Há uma discrepância, mas isso também confere variedade e um dos aspectos mais elogiáveis do filme, que foi o esforço para se fazer uma das histórias com menos elementos tarantinescos e com um enfoque diferente e surpreendentemente bem feito.

Trilha sonora cool com rock não funciona como funcionaria em filmes que se passam no tempo atual. Ok, Tarantino não dá a mínima pra contextualização histórica precisa. Esse nem é o problema. Só soa estranho. E ainda por cima tem músicas reaproveitadas de outros filmes do Taranta.
Trilha sonora pesquisada de filmes da época ou chansons tipo Edith Piaf, além dos Ennio Morricone de sempre, teriam funcionado melhor. Ainda bem, essas músicas existem no filme, mas poderiam ser majoritárias.

Já as citações à cultura pop foram bem adaptadas ao contexto do filme, diferente da trilha sonora pesquisada. Se não podemos falar de eventos culturais do meio século depois de 1944, fiquemos com os elementos culturais da época. E melhor ainda, as citaçoes foram em grande parte muito bem substituídas pela mais pura metalinguagem. Mesmo quando se falam em filmes antigões que nem o público cinéfilo tem conhecimento, há uma contextualizada e ninguém fica boiando. Metalinguagem aliás que se estende para além dos diálogos. Em grande parte do roteiro se fala e se mostra muito sobre cinema, num local da trama que é propício à essas discussões. Mais um passo em que Tarantino foi além do seu usual e teve resultado positivo.

Já que passamos da parte crítica negativa, vamos somente aos elogios. Puxa, o que dizer. Tarantino é Tarantino. Pode chupar ideias de Deus e do Diabo, mas ele sabe escrever diálogos como ninguém, criar personagens kitsch como ninguém, dirigir atores e cenas de ação trash como ninguém. Agora a melhor parte. Ele evoluiu. Não no sentido, cada vez mais trash-cult e sanguinolento, como alguns podem considerar evolução. Seria mais uma maturidade dramática. Com todos seus baldes de sangue, Kill Bill conseguia emocionar com os embates não só físicos, mas boa parte mentais entre Bill e A Noiva. Aqui justamente aquele aspecto de linhas paralelas no roteiro se torna uma ferramenta útil. Se Tarantino e nós precisamos de tripas e comédia, concentre isso nos Inglorious Basterds propriamente ditos. Se você quer se emocionar não só com ação e tensão, mas personagens com relações emocionais profundas muito bem interpretados, concentre isso nas partes da Soshanna. É impressionante ver como o pouco afeito à dramas Tarantino mostra que sabe sim fazer dramas. Sem esquecer a trilha sonora pesquisada e um pouco de trash, é claro. A evolução é nesse sentido, mostrar que não se pode usar a mesmíssima fórmula pra sempre. Tarantino teve a iluminação de perceber isso à tempo. Mirando futuramente em ganhar um Oscar, quem sabe? Isso verdadeiramente não interessa muito. O que interessa é ver esse autor trabalhando muito bem e mudando sem jogar fora sua origem. Vale um segundo ingresso.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Curtam os curtas

Finalmente, o parto acabou! Os curtas metragens dos quais pude participar da produção na Oficina de Áudio Cinema e Tv do Colégio Sinodal, carinhosamente chamado só de "Cine", estão disponíveis para quem quiser ver.

Rapidamente aí são os apresentáveis até o momento:

"Dois Gumes", da época que eu não era da oficina ainda e quando meu professor foi um ator. Suspense suficientemente sobrenatural pra deixar o pastor do colégio preocupado: http://tinyurl.com/ygq2d59

"Cavalaria", um realismo fantástico calcado em textos do Neil Gaiman, autor dos graphic novels como Sandman, Stardust e Coraline. Fui roteirista e assistente de produção: http://tinyurl.com/yghcoke

"De Cartas e Cafés", no gênero romance, com trilha muito bem utilizada cedida pela banda Videohits. Lindinho: http://tinyurl.com/yzhxabf

Vejam tudo no canal da oficina no Youtube: http://tinyurl.com/yj8zbhu


Novamente, agredeço muito a todos envolvidos e por ter tido a sorte de encontrar gente tão maravilhosa na minha vida que puderam fazer essas belezuras virarem realidade. Valeu mesmo pessoal!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Salvou quem?




Estética pós-apocalíptica, um pouco de steampunk(tecnológico e retrô ao mesmo tempo) e goticismo dignos de uma produção do Tim Burton. Toques à Segunda Guerra, governos totalitários tanto nazistas quanto comunistas. Isso é um pouco da viajem estética para quem assistir "9". Com o subtítulo no Brasil de "A Salvação", posso dizer que a direção de arte e os criadores do visual 3D são o que fazem a salvação desse filme. De início parece que vai ser um Wall-E mais sujo, adulto e sombrio. Depois se conclui que realmente Wall-E continua sem comparativos.
O que ocorre é que o grande trunfo artístico das imagens e design de cenários e personagens gera uma espécie de narcisismo, já que o desenvolvimento do roteiro deixa a desejar. Personagens simplistas e cartunescos, situações forçadas e muito "prontas" e enfrentamentos sem grande criatividade, a não ser na aparência das máquinas maléficas.

Algumas referências bacanas ficam por conta da arquitetura gótica da igreja e da mansão. As trincheiras com arames farpados abandonados lembram muito a Europa arrasada pós-Segunda Guerra. Há a Máquina, uma mistura de HAL do "2001 - Uma Odisséia no Espaço" com a aranha mecânica do filme "As Loucas Aventuras de James West". Também há uma cena que uma vitrola toca "Somewhere Over the Rainbow", para os maiores fãs de "Mágico de Oz" e outra cena que mimetiza o mito grego do balseiro do Rio do Tártaro. Um paradoxo interessante é que os robôs protagonistas são a única coisa que restou da humanidade. Para sinalizar isso melhor, eles são mais orgânicos, aprecendo mais bonecos de pano voodo do que feitos de engrenagens. No final, uma simulação de como seria o (re)começo da vida na Terra, até interessante. Enfim, pelo menos pude me distrair com esses elementos além dos belos visuais.

O filme sofre principalmente no quesito de qual público alvo enfocar. Um desenho animado para crianças? Não, muito sombrio, muitas cenas de tensão. Animação adulta então? Também não parece, com aqueles personagens tão clichês e bobos como um velho carrancudo e conservador, o mocinho que quer fazer do impossível o possível, um troglodita burrão...
Na teoria, uma ambiguidade dessas eu nunca consideraria um aspecto negativo. Soaria mais como um aspecto diferente e inovador. Na prática foi outra história. Fica aquele gosto de chocolate amargo na boca.

domingo, 4 de outubro de 2009

Ao sabor das ondas




"À Deriva" é o filme brasileiro mais argentino que já vi. Tudo feito nos trinks, foco no realismo e no mais casual. O filme mais pessoal do Heitor Dhália.
Atuações de tirar o chapéu da Débora Bloch(para de fazer novelas, mulher!), do Vicent Cassel falando em português e da estreiante perfeita Laura Neiva.

Ele fala muito pros corações da geração mais antiga e até mais atual de pais que se separaram. Da também muita nostalgia da pré-adolescência. Se querem um choque de realidade, confiram.

sábado, 3 de outubro de 2009

120 dias de sodoma explicados psico-simbólicamente em 4 lições




Estou começando a achar que Lars Von Trier não somente é o diretor mais egocêntrico do mundo. Pode ser um dos mais confiantes e certos sobre si mesmo, com bons motivos. Não há dúvida que o trabalho dele nesse seu último "AntiCristo" é admirável e complexo, mesmo que desgostoso. O apego ao psicológico, simbólico e o "vamos explicar o funcionamento das engrenagens do mundo" é profundo. O suficiente pra quase justificar a enorme violência mental e gráfica desse filme. Não sobra pedra sobre pedra.

Nunca assisti outro filme que mais se adequa ao suposto gênero "terror psicológico". É tudo altamente psicológico. O grotesco vai se desenvolvendo numa progressão aritmética com controle, não é um trêm desgovernado se aproximando geométricamente. Boa parte dos 4 capítulos do filme lidam somente com medo subjetivo e muita psicanálise. Von Trier sem dúvida foi várias vezes ao psicólogo durante o processo da escrita do roteiro.

Em meio à toda pressão da atmosfera densa, há planos lindamente orquestrados. E certamente à os perturbadores. Falando especificamente só da direção, ela é muito bem feita. Fora umas vezes que Lars deixou seu cinegrafista com parkinson brincar com a câmera, o trabalho é do caralho. Ambientes excelentemente captados, fotografia ótima, efeitos de lentes. A câmera na mão é realmente usada à exaustão, mas geralmente competente e com uso de zoom muito bom. Aliás, fazia tempos que não via o uso de slowmotion tão bem aproveitado. O único porém é o que eu já ressaltei até na postagem anterior, sobre o "Deixe Ela Entrar". Por mais que falem como a tecnologia é incrível, há uma cena com computação gráfica que causou mais risos contidos do que temor. Lars poderia ter pensado em uma coisa muito mais sútil e menos ridícula. Fora isso, tudo ajuda muito a criar a atmosfera densa do filme.

A polêmica violência é forte, meu amigo. Não recomendo pra ninguém, mas como disse, a história tem um viés de usar muita simbologia para explicar os porquês das ações dos personagens(interpretados loucamente pelo Willem Dafoe e pela Charlotte Gainsbourg).
Tudo é mostrado com suficiente clareza. É tudo que "120 Dias de Sodoma" poderia ser e não é. Nesse filme do Pasolini, as coisas acabam artisticamente estúpidas e gratuítas. Em Anti-Cristo, existem as motivações reais dos personagens. Não sei se todo mundo capta as mesmas simbologias e toques que o roteiro vai largando e depois mostra à que vieram, mas os pontos chaves me pareceram suficientemente claros. Isso tudo ainda assim não legitima o sadismo de Lars Von Trier nem o masoquismo da plateia em certos momentos. Se sentir uma revolta e quiser sair do cinema, não sinta-se constrangido. Contei 11 pessoas que saíram até um pouco depois do meio do filme.

SPOPILER
Me sinto compelido a deixar minha interpretação de certas partes do roteiro. Ela (a personagem nunca é nomeada) não é mentalmente muito sã. A prova é a troca de sapatos que ela sempre fez com o filho. Agregando então o trauma de perder o filho, Ela começa a se odiar. Também passa a odiar-se não só particularmente, mas como mulher. Como o seu filho morreu enquanto Ela e Ele transavam, ela começa a culpar essa carnalidade que existe nas mulheres. A carnalidade feminina foi interpretada como obra do Demônio pelo Cristianismo por séculos, principalmente durante a Inquisição. A perseguição de mulheres naquela época é justamente o tema da tese de mestrado/doutorado d'Ela. Juntando-se isso, obtemos o estado mental completamente desequilibrado que Ela desenvolve. Ela passa a ter um comportamento ninfomaníaco, querendo escapar da dor de perder o filho, mas ao mesmo tempo se culpa cada vez mais por sua carnalidade. Ela se considera impura simplesmente por ser mulher. A natureza da mulher seria o motivo "justo" da Inquisição. Ela se considera o AntiCristo. Tá aí o porquê do título do filme. Na penúltima cena, Ele queima o corpo d'Ela numa pira de madeira pra não deixar vestígios, um reflexo das fogueiras "bruxas", queimadas na verdade só por serem mulheres.

Outro simbolismo muito presente é a Natureza. Em vários momentos, há discussões de como a Natureza seria ameaçadora ou acolhedora. Além do diálogo sobre as bolotas do carvalho, pude perceber um embate entre "a Natureza tira X a Natureza dá". A Natureza semea, ao mesmo tempo que isso indica a sua futura morte, no caso do carvalho. A Natureza proporciona uma mata linda e sufocante ao mesmo tempo. A Natureza proporcionou um filho à Ela e Ele, assim como o tirou. Quando ele está na toca da raposa se escondendo, um corvo faz barulho, ameaçando chamar a atenção dela para o marido escondido. O corvo é a natureza que tira, que assusta, que atrapalha. Ele precisa matar o corvo, se não vai ser descoberto. E assim o faz, servindo de alegoria ao uso da Natureza pelo homem, quando esta lhe convém ou não. No Epílogo, Ele passa por uma amoreira, se alimentando dela, a Natureza que dá.

FIM DO SPOILER

Bom, não recomendo pra estômagos fracos, nem pra médios, nem pra fortes. Não sei pra quem recomendar esse filme. Talvez psicólogos, talvez cinéfilos. Acho que o mais certo é para curiosos, como foi o meu caso. Acredite, eu quase não quis ir, decidi bem de última hora. Pra mim valeu o esforço de ficar na sala de cinema até o fim.
Coragem, lembre-se que a curiosidade matou o gato. Ou a sanidade.


imdb:http://www.imdb.com/title/tt0870984/
Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Antichrist_(film)
Trailer: www.youtube.com/watch?v=LO-TNfPzh_k


"Grief, Pain, Despair and The Three Beggars"

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Ao crepúsculo, numa sala de cinema



Adoravelmente sombrio. Ou sombriamente adorável. Ou somente adorável. Podem ser essas três opções. "Deixe Ela Entrar" vai direto ao fundo dos corações góticos dessa geração Crepúsculo ou dos mais velhos que puderam conferir Nosferatu.

A premissa do filme é um relacionamento bastante incomum. Espere mais do que a xurumela de vampirinho legal e menininha humana apaixonada. Na verdade, os papéis estão bem ao reverso nesse filme sueco. Tanto sexualmente como etariamente. Os protagonistas tem menos em idade e mais em maturidade. Talvez é o 1º mundo, talvez o frio europeu, não saberia dizer. O que interessa é que as frases dos trailers fizeram muito sentido: "Filmes de vampiro estão na moda. Nenhum com 56 prêmios internacionais."
Realmente, é uma total surpresa ele sair quase de distante Noruega e vir parar em um cinema grande de Porto Alegre.

Há alguns cortes de cena sem necessidade, momentos meio fora de foco, um efeito digital desnecessário e um considerável deus ex-machina. Fora isso, amei. Confesso que já tinha roteirizado mentalmente algo como 70% do que esse filme é. E quase tudo se mostrou bem executado como eu bem gostaria de ter feito.

Com seus relacionamentos ao mesmo tempo adoráveeis e bizarros de personagens, clima sombrio, um tanto de terror, amor juvenil assexuado e universo imaginativo infanto-juvenil-adulto, tudo junto soa como um conto de fadas adulto ou para pré-adolescentes à partir de 12 anos. Confesso que a mordida valeu a pena.

trailer: http://www.youtube.com/watch?v=ICp4g9p_rgo
imdb: http://www.imdb.com/title/tt1139797/
wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Let_the_Right_One_In_(film)


"Vill du ha mig ändå?"