sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Onde os Diálogos Não Tem Vez (e nem precisariam ter)

Revi Onde os Fracos Não Tem Vez. É bom, mas tem detalhes e momentos sofríveis, não dá pra prestar atenção e criar laço com personagens. Enfim, naquele Oscar Sangue Negro era uma obra-prima que espero ser mais lembrada no futuro.

A direção dos Coen não é o problema. Ela é excelente, mantendo o público focado em muitas das cenas sem precisar de música ou diálogo pra isso. O problema é quando ocorrem os diálogos. A maioria soa artificial, além de encherem linguiça e não ajudarem a trama. Toda a parte do filme que acompanha o Tommy Lee Jones investigando o que está acontecendo no filme me parece totalmente desnecessária, não acrescentando nada. Só papo de xerife rançoso de um velho oeste que já se foi e não tem mais glória épica nenhuma.

O 3º ato em geral é muito ruim e desanimador. Ainda mais por praticamente ser do Tommy Lee Jones. E por ter um velhinho em uma cadeira de rodas em uma casa cheia de gatos, filosofando que aquele é um País Sem Lugar para os Velhos (título original do livro) que em momento anterior algum do filme ele é sequer mencionado. De novo, má construção narrativa. E a última cena, nem preciso dizer, senti um pouco de vergonha alheia, é bem nada a ver com nada (o oposto da última cena do Queime Depois de Ler, que é uma grande bobagem que é totalmente justificada com a cínica fala final)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um americano misterioso





Muito sem querer ontem acabei assistindo um puta filme legal: Um Homem Misterioso (The American). Ele é recém lançado, mas não teve divulgação nenhuma até onde eu saiba, apesar de ter um nome como George Clooney envolvido. Pois bem, mas o filme tem um motivo de ser mais silencioso na mídia, porque ele tem aquilo que preconceituosamente podemos chamar de alma "européia". Esteriótipo ou não, se dá pra entender que é um filme com um assassino de aluguel e não tem um tiroteio numa média de 10 em 10 minutos e o protagonista é pouco falativo e deixa espaço pro público observar o comportamento dele e tentar entender o que se passa na cabeça dele, então vamos chamá-lo de filme europeu.

O roteiro foi tirado do livro A Very Private Gentleman, de Martin Booth. Direção do Anton Corbijn, que como cineasta é mais famoso como diretor do Control, longa em preto e branco que conta parte da história real do Ian Curtis, vocalista da banda Joy Division. A bem dizer, esse foi o trabalho menos musical da vida do Corbijn, porque ele é o fotógrafo oficial de bandas como U2, Depeche Mode, entre outras grandonas. Control foi seu primeiro longa, mas ainda lidando com música. Pra nossa sorte, aqui ele lida com muita maestria com uma câmera tirando 24 fotos por segundo. E não cai na tentação de fazer um filme que só tem beleza estética e planos que não contam nada na estória nem auxiliam no clima do filme.

Sendo um fotógrafo, a direção de fotografia tem sim um destaque. Planos muito bons com contra-luz deixando silhuetas marcados, como é o caso do plano dos créditos inicias. Nele, o protagonista dirigindo dentro de um túnel, está tão sombreado que as letras brancas dos créditos são aplicadas sobre o protagonista ao invés de estarem voando no cenário. O ambiente em si é lindo pra fotografia. Temos um cenário com neve e também um vilarejo das antigas no interior da Itália, cheio de vielas que sobem e descem, se entrecruzando. Luzes de diferentes cores vindo de vielas do vilarejo onde se passa a estória se integram com naturalidade.

Os enquadramentos dão muito informação, até na disposição dos focos de atenção que se tem a intenção do público prestar a atenção. Coisas como uma placa no canto da tela que indica onde o protagonista está, e logo abaixo da placa, quase do mesmo tamanho, o espelhinho retrovisor do carro do protagonista, mostrando parte do seu rosto. Detalhes, detalhes que fazem a diferença. A ação também se integra bem com movimentos de câmera sutil, como um travelling da ponta de uma cama, que de início só mostra os pés do protagonista, o travelling começa a ir pra trás, até revelar a mão do protagonista, que segura um livro, e no que percebemos o livro, ele deixa-o cair no chão, toma um susto e se levanta alarmado. O movimento da câmera flui muito bem com a ação proposta.

Tenho que dar destaque para outro elemento, esse sim que me causou surpresa no uso preciso e bem planejado: o som. A música pontua poucos momentos do filme, somente quando se faz necessário pra enfatizar a paranóia do protagonista ou algum momento em que ele se concentra em uma atividade. De resto, o clima do filme se dá bastante pelo som ambiente, no volume certo, é as poucas falas do protagonista. Sem excessos, cria-se um clima pra entrar na tensão do protagonista que não consegue relaxar nunca. O melhor e a edição de som, que inserindo barulhinhos abruptos no meio da calmaria quase constante dos ambientes, criam muita tensão. Junto com a montagem, se integram muito bem pra fazer os cortes de uma cena pra outra, como é o caso de um plano que termina com um trêm meio ao longe e desfocado e começamos a ouvir o que parece ser um apito de trêm. Quando corta a cena, o "apito" não sumiu, e vemos que ele é parte de uma música em um filme que está passando em um café da cidade (no caso, está passando Era Uma Vez no Oeste {quase gozei, óbvio}). Novamente, atenção aos detalhes e sutilezas. Ah, pra nós brazucas, rola até um "Panamericano" uma hora, na versão original, é claro.

A trama se desenvolve muito bem e aos poucos. Não quero entregar nada, como perceberam pelo meu texto, fora o fato de o personagem ser sério e silencioso e paranóico com alguma coisa. Ao final, algumas escolhas de enquadramento poderiam ser melhores, ou ter um melhor jeito de revelar o último grande fator na estória, que define o final nada feliz. Porém, até mesmo nessa parte, sempre boas escolhas e atenção à vários elementos fazem esse filme ter uma riqueza, profundidade e "artesania" que eu não esperava.


Ok, agora já posso voltar a um filme com mais explosões, tipo Homem de Ferro.

http://www.youtube.com/watch?v=4ywmoXZwkA0

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

7 palmos, média 7

Queria ter ido nesse fim de semana no cinema assistir Tetro ou O Garoto de Liverpool. Nem fui assistir nem um nem outro. Aliás, no cinema não assisti nada, fiquei por casa assistindo o bem bacana Leaves of Grass, reassisti o maravilhoso Cães de Aluguel e assisti Um Dia de Cão, obra-primássa. Mas falando em cinema, acabei indo hoje, uma 2ª feira, com meu pai. Ele, por algum motivo, queria assistir Enterrado Vivo. Estranhei, o velho não é nem um pouco de filme sanguinolento ou com algum elemento de terror, como esse filme sugeria. Nos meus preconceitos, só aceitei assistir porque a equipe era espanhola, o que poderia conferir alguma característica interessante e não ter uma fórmula boba de filmes mais comerciais americanos.

Pois bem, não escapou de muita fórmula, no fim das contas. Porém seu roteiro tem uma premissa e momentos muito bons, inclusive a opção por um final nada feliz (pouco depois de sermos enganados com um final feliz). Falando assim, parece uma puta reviravolta. Não é tanto, mas a estória tem seus pontos de interesse, sem dúvida.

A premissa é o que o título já entrega, uma pessoa enterrada viva. Em um caixão madeira (ora pequeno e claustrofóbico, ora agigantado, elemento que não dava pra entender, culpa de uma direção meio confusa). E o contato com outros personagens por todo o filme é através de um celular, que vai gradativamente perdendo a bateria. Início promissor e um elemento "bomba-relógio" bem agoniantes. Os diálogos com os outros personagens são às vezes bons, às vezes médios. O ator, Ryan Reynolds, não é lá o bixo, mas passa o suficiente de emoção. Pra mim em um filme de 90min com só um ator e um cenário claustrofóbico ele não ajudou, tinha que ser alguém melhor.

Depois, se revela um contexto político, que foi bem retratado e tomando o lado de criticar as empresas privadas que atuaram e estão atuando no Iraque. O diálogo entre o protagonista e um RH da empresa em que trabalhava é, por mais exagerado que seja, revoltantemente bom.

Os eventos que vão ocorrendo durante o enredo conseguem dar um gás na trama, mas às vezes chegam ao surreal de uma cobra surgir dentro do caixão por um buraco na lateral que o protagonista por acaso não tinha visto antes. E como a cobra chegou tão baixo na terra? Ah, deixa pra lá, né?

O que não entendo é como gringo consegue gastar dinheiro. É um ator desconhecido, gente desconhecida na equipe, espanhola, música composta (bem inútil), um cenário e quase ou simplesmente nada de luz artificial. E o custo estimado?

$3,000,000. É mole? Dá pra mim que eu faço e devolvo o dinheiro.

Concluindo, filme ruim tem seu valor, pelo menos pra ver os defeitos. Curioso é ele não ter nada de propaganda e ser distribuído em um cinema de Porto Alegre.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Nostalgia de um certo mundo homogêneo

Estava agoniado hoje. Agonia, de acordo com o que um amigo meu disse hoje, é ter um sentimento de aflição em relação a alguma coisa que não se sabe o que é. Do contrário é só preocupação.

Pois bem, deitei na cama e consegui converter a agonia em preocupação. Defini alguma parte da agonia, pelo menos. Hoje mais cedo, assisti parte do filme A Rede Social com dois colegas do trabalho. Um deles dormiu, mas eram dois. Enfim, é raro eu assistir um filme hoje em dia com alguém e ver esse filme que fala muito da nossa geração me causou uma agonia, que agora talvez traduzi em uma preocupação.]

Essa preocupação é mais uma nostalgia. Saudades do tempo em que se chegava na aula de manhã e falava com os amiguinhos:

- Bah, e o golpe do Vegeta ontem contra o Capitão Ginyu?

A frase, pros que não compartilharam dessa mania da minha infância era Dragon Ball Z. E o que ela tem demais? Todo o grupo de amigos sabia o que era a tal cena em que o Vegeta deu um golpe muito foda no Capitão Ginyu. Todo mundo viu o episódio do dia anterior, assim como veria o episódio daquele dia mesmo.

Hoje, com a anarquia da internet temos uma infinidade de possibilidades, escolhas que nenhum "receptor" teve em qualquer outra época da humanidade. Nessa gama enorme de opções, cada vez com mais diversidade e quantidade de coisas pra se escolher pra ouvir e assistir, o individualismo aumentou consideravelmente. Ninguém chega no outro dia e pergunta do episódio de algum seriado. Cada um escolheu um seriado pra assistir. Ou, se alguém está assistindo o mesmo, não baixaram os mesmos episódios. Um está sempre baixando assim que vaza pra torrent a versão gringa, outro começou a baixar depois e ainda não alcançou os episódios mais recentes.

Esse é o preço que se paga pela diversidade e liberdade de escolha. Cada um é muito cada um, precisando de uma rede social pra se sentir conectado aos outros.
Estou exagerando em negatividade, com toda certeza, mas que posso fazer se sou um "velho ranzinza" sempre insatisfeito, como já me falaram.


Fuck you, facebook (e to blogando e mandando por e-mail esse texto, ah, bela hipocrisia...)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Traição?

- Sabe por que eu não te trairia? Porque eu não acho que valha a pena pular a cerca e espalhar meu genoma por bucetas alheias sendo que em primeiro lugar eu iria ferir os sentimentos de uma pessoa com a qual eu me importo. E essa pessoa é tu. E eu me importo contigo porque tu é um ser humano lindo, maravilhoso, admirável e amável, em todos teus defeitos e tuas qualidades, e de maneira nenhuma tu mereceria isso. Satisfeita?

domingo, 3 de outubro de 2010

Filme cult brasileiro? Chama o Selton!




Uma ótima tentativa de se fazer um filme cult brasileiro. Novamente, o Selton Mello tinha que se envolver. O argumento (genial) é muito Charlie Kaufman – emprego de pelo menos um elemento surreal de tão estranho e criativo num universo do cotidiano. E depois ele tem uma reviravolta completamente inesperada, mas bem construída, tornando-se um popcult-b-trash tarantinesco.

De ruim só alguns maneirismos, gestos, falas de uns personagens que não precisavam forçar tanto a barra. Gimmick é bom, mas pode ficar muito exagerado e perder o carisma. Talvez é porque ele seja muito raro no cinema nacional, mas enfim, às vezes fica estranho. Outras vezes são muito afudês e engraçados.

Da minha parte, acho que a estória poderia ter focado ainda mais no liquidificador. Há algumas cenas que nos são mostradas que não são vistas nem por Elvira nem pelo Liquidificador e essas passagens nem contam muita coisa. Mesmo o filme tendo “só” uns 80mins, ele ainda assim poderia ser menor se cortassem essas cenas e não perderia em envolvimento e estória.

A música também remete ao tom levemente engraçado e num primeiro momento calmo dos filmes com o roteiro do Charlie Kaufman (esqueçam o “Sinédoque, Nova York”, esse é bem chato e desnecessariamente tristonho). Também remete um pouco às músicas de comerciais das antigas de produtos para donas de casa, tipo como o The Sims também faz. A música tema, em que o destaque é um assovio, é hit.

Por fim, o somatória do todo perde um pouco em relação à genialidade de algumas partes, mas isso não quer dizer que é um filme ruim. Longe disso, só faltou ainda um leve polimento. No total é um filme ótimo e completamente cativante e criativo. Assistam antes que seja tarde.

O nome do jogo




Dos 4 filmes que assisti até agora no feriadão, "Nome Próprio" é o melhor de todos. O mais redondinho em todos os aspectos. Estória é muito boa, mesmo com uma protagonista que é uma mina azedinha mais pra mimada do que qualquer outra coisa e em crise com a vida em geral. Estória boa mesmo com a prosa da protagonista, que expia sua vida, sentimentos e etcs num blog, ser às vezes bem óbvia e fraca, às vezes boa. Uma estória baseada nesses escritos. Tudo para se torcer o nariz certo? É, mas as bebedeiras, nóias e trepadas da guria renderam um puta roteiro. E a fotografia, direção, montagem, música e atuações fecham completamente.



Nem tô por falar muito do filme. Só digo pra assistirem com toda a certeza. Foi o que eu peguei mais por acaso na locadora e conseguiu ganhar de um filme do Copolla, um com o Al Pacino e o mais recente do Giuseppe Tornatore. Quer mais ou tá bom? Só se for uma Leandra Leal numa atuação muito muito muito foda, melhor que um Gene Hackman e um Pacino, acredite.

Um lar utópico de interesse e ridicularização

Entre o interessante e o totalmente ridículo. Acho que é a melhor definição que dou para esse “Nosso Lar”, a mais nova incursão no mais novo sub-gênero do cinema nacional: o “espírita movie”.

Depois que deu retorno, a Globo curtiu muito essa parada de espiritismo. Atacaram no cinema com Chico Xavier, nas novelas com Escrito nas Estrelas e nas séries com A Cura. É com certeza um baita segmento de público: no mínimo há 2 milhões de adeptos do Kardecismo espírita no Brasil. Supondo que todos curtam TV ou cinema e tenham dinheiro e tempo de usufruir dessas artes e entretenimentos, são 2 milhões de espectadores garantidos. E mais os curiosos, como foi o caso de mim e da minha mãe nessa tarde chuvosa.

“Ok, deve ser pura merda em conteúdo, mas vamo lá matá a curiosidade.” Pensei comigo. E saio da sala de cinema com aquela impressão do início do texto. Assisti um filme que técnicamente faz juz aos R$20 milhões empregados nele (tirou o “Lula- Filho do Brasil” do título de mais caro filme nacional). E sua estória e conteúdo são interessantes, até envolventes, e no fim voltamos à realidade com os últimos dizeres do filme, que te lembram que ele é “baseado em fatos reais”. Aí nos damos conta que não estávamos vendo um filme fantasioso do Peter Jacksson ou um livro viajado de ficção. Tem 2 milhões de pessoas que supostamente vão sair do cinema acreditando piamente no que acabaram de ver mas que se tivessem saído de A Origem certamente falariam:

- Que filme mais maluco esse, né?


Pois amigos, por mais improvável que sejam os acontecimentos d’A Origem, ele sabe que é ficção e é muito mais verossímel que uma colônia de ectoplasma que fica pairando invísivel sobre a Terra. Ééééé, seu Chico e seus amigos que escreviam os livros junto com ele (e deixaram os créditos só à ele) fumavam muito bagulho ou eram realmente criativos. Isso não dá pra se jogar fora, a estória é uma viagem de muita criatividade.


Nos aspectos técnicos temos uma pós produção de efeitos digitais gringos, feitos pela galera do Watchmen, que conseguiram a façanha de criar uma Brasília futurista, ainda com os traços do Nyemaier. Alguns, porém, são lamentáveis. Parece que deixaram pra Globo fazer. A música também do gringo Philip Glass (Show de Truman, As Horas, O Ilusionista) mantém o espírito (sem ironias). Destaque especial para a montagem, com transições fantásticas e criativamente executadas entre os diversos mundos e épocas.
A produção é média. Se a direção do brazuca Wagner de Assis e a fotografia de Ueli Steiger (também gringo, fotografia de “O Dia Depois de Amanhã”) são muitos boas, a reconstituição histórica com figurinos e cenários bem convincentes, as atuações atrapalham muito na imersão. Alguns são constangedores de tão amadores. O protagonista, feito por Renato Prieto, é um ator famoso no círculo espírita por atuar em várias peças espíritas. E é isso que ele deveria seguir fazendo. É notável que ele nunca tinha atuado com uma câmera na frente. Todo seu estilo, linguajar, pronúncia, tudo é do teatro. Os personagens em geral também seguem um nível parecido. Só os globais conseguem ser mais decentes. E um amigo meu dizendo que o Werner Schünemann era ruim...


A pré-produção é aquilo... Se os roteiristas mudassem muito o livro, a Federação Espírita poderia tirar o patrocínio. Então ficou aquele linguajar antigo para as partes de época (até ok) e diálogos de padre no mundo espiritual. Realmente irritante. Nenhum espírito sabe falar de forma coloquial?
No conteúdo, é uma estória de redenção (como nenhuma religião podia deixar de ser) de um médico que viveu em excessos (nunca se vê os tais excessos, mas dá-se a entender que ele bebia afú pela sua morte com dores no fígado ou sei lá o que. Ah claro, como médico, ele era ateu. Heresia!!!) e classificam sua morte como suícidio inconsciente. Depois de passar por uma lavagem de alma, ele vai se inteirando de como funciona o pós-morte, os ministérios e gabinetes do mundo espiritual, como conseguir créditos para poder mandar mensagens aos familiares vivos e passa por uma jornada de melhoramento da sua personalidade. Enfim, salvação.
A grande questão dessa tal cidade espírita é que ela é uma verdadeira Utopia. Tudo que você fez de ruim na vida terá de ser vivido na pele para a pessoa se arrepender. E ao chegar na colônia espírita, tudo que a pessoa faz de bom é recomensado na medida certa e tudo que ela faz de errado é punido na medida certa. Essa é a melhor definição de utopia. Na vida real não é bem assim. Pra que fazer o “bem” se não é certo que vão lhe aplaudir por isso? Por que não passar a perna em alguém, já que é fácil sair impune? Essa utopia pós-morte, esse karma, o medo de sofrer as consequências pelos nossos atos é a base de funcionamente de boa parte das grandes religiões do mundo.


Particularmente eu não gosto de nenhuma crença religiosa. Gostaria muito de viver em um mundo em que as pessoas fossem racionais e evoluídas o suficiente para superarem tudo isso, mas essa é a minha utopia. É pedir demais. As crenças religiosas tanto produzem preceitos éticos que só são respeitados quando postos na posição de “palavra divina” como também formam uma orda de fanáticos descerebrados. Sem religião essa irracionalidade e fanatismo não se expressaria de outra forma? Provavelmente, até porque o futebol tá aí pra provar isso. Mas gosto de pensar que ainda assim seria um mundo melhor.


No fim, fico meio assim de quantas criançinhas estão sendo envenenadas com essas lavagens cerebrais ou se isso vale como lição de moral, mas pro cinema nacional é excelente. Começa assim, com coisas que vão ter retorno certo. Um dia vamos ter esse dinheiro pra gastar com uma ficção científica de verdade.
Agora gostaria de assistir de novo A Origem pra me desintoxicar. Boa-noite, vivos!

Porta de entrada para a Sicília

Muitas vezes me surpreendo com a capacidade de filmes conseguirem exprimir em 2hrs ou mais uma vida inteira de um personagem. No caso de "Bàaria - A Porta do Vento" esse personagem é o siciliano Peppino Torrenuova . Ou melhor, será que o personagem não é a própria Sicília? Ou é boa parte da História da Itália do século XX? Talvez todos juntos, somados às memórias do próprio diretor e roteirista Giuseppe Tornatore (de “Cinema Paradiso”), é que formam o protagonista e a “aura invisível” desse belo filme.


Dá pra vermos boa parte da história Sicília e em geral da Itália, mesmo que um retrato pitoresco e até talvez “pra inglês ver” feito de colagens de diversos elementos, desde o início dos mafiosos, dos fascistas, passando pela liberação americana na 2ª Guerra, a democracia com os emergentes movimentos de esquerda, até algumas cenas das cidades atuais. Todos acontecimentos são permeados por inúmeros personagens, cada um com elementos que os tornam únicos e os identificam mais facilmente entre eles (gimmicks e kitsch pululam proeminentemente). O protagonista é primeiramente um garoto pobre, que é “alugado” pelos pais para trabalhar junto com um pastor de cabras, busca o amor de Sarina, filia-se ao partido comunista e tenta até se eleger deputado, enquanto vai criando um filho atrás de outro.


O filme infelizmente apresenta problemas consideráveis. Há excesso de informação e personagens. No início há cortes de um plano para o outro num estilo videoclipe desnecessário. O corte entre as cenas às vezes não funcionam, principalmente por elas retratarem estorinhas paralelas diversas. E na parte de efeitos na pós-produção, o pouco que há de efeitos digitais são feios e nem eram necessários.
O pior de todo o filme é sua sequência final, que pra mim foi muito menos compreensível que o final do 2001. E foi algo sem muito propósito. Enfim, não entendi até agora. Nem o que significa, nem o porquê de ele ter sido feito. Poderia ter sido uma morte típica (eu adoraria ter visto uma morte do protagonista sentadinho em uma cadeira, à lá The Godfather III) que teria funcionado e fechado bem melhor.


Dito tudo isso, sigo recomendando muito o filme. Não é só interessante culturalmente e historicamente, os seus inúmeros personagens são muito carismáticos. Aqueles italianos exageradamente dramáticos, explosivos e/ou debochados que muitas vezes permeiam o filmografia italiana está retratada em todos seus aspectos. Seja num filme do Benini, que consegue criar situações de graça e ternura um campo de concentração nazista. Ou num do Fellini, com elementos fantasiosos que mostram excentricidades ao mesmo tempo que tem seus personagens sofridos e cheios de crises existenciais. Até o “menos italiano” Sergio Leone, que tanto retratou o Velho Oeste americano, transparecem essas mesmas idiossincrasias em seus personagens (principalmente no Tuco do “O Bom, O Mal e O Feio”). Não posso falar do Tornatore, pois esse foi o 1º filme dele que eu assisti, mas ele aglomera todas essas características muito amáveis e interessantes. Conseguem envolver muito bem o espectador, nos dramas, na política, no humor e no próprio cinema da época, retratado com especial atenção por Tornatore, provavelmente tirado de suas memórias quando garoto.


É bom, bonito, enriquecedor e entretido, mesmo com algumas falhas. Recomendo.

Menos conversa e mais ação, por favor

Todo mundo tem alguma decepção cinematográfica. A minha foi em relação ao Francis Ford Copolla, cineasta e autor de alguns dos meus filmes favoritos, como The Godfather e Apocalypse Now. Aluguei "A Conversação" com expectativas altas. É da época de ouro do Copolla e de toda cambada sexo-drogas-rockn’roll da Nova Hollywood. Palma de Ouro em Cannes. E ae? Bom, não é tudo isso...

Bom, a primeira cena manteve minha alta espectativa satisfeita. Uma câmera mostrando uma praça. Uma conversação entre duas pessoas. Um zoom lento e vagoroso, te deixando agoniado pra entender quem está falando. Mas tudo vai se perdendo. E rapidamente. Rapidez, aliás, é o que falta nesse filme. Acho que ele tem estória para 1hrs de filme, só que de algum jeito encheram linguiça para ele ter quase 2hrs.
O que parece um suspense à primeira pista se perde pra mostrar demais a vida do tímido protagonista, bem interpretado pelo Gene Hackman. E essa corda bamba fica pendendo demais ora para um lado, ora para o outro. Falta foco. E assim se perde o interesse.

O fôlega da primeira cena só se recupera lá pelo final, em que o filme (finalmente!) volta ao suspense, que era o que interessava, e cria cenas verdadeiramente tensas, com acontecimentos bem resolvidas e reviravoltas muito boas. Até a cena final, quase tão surreal quanto Apocalypse Now, que fica até estranha em comparação com o resto do filme, ele fica legal. Mas é isso, o melhor do filme fica pra música do David Shire (Todos Homens do Presidente, Zodíaco) com piano, jazz e ecos de Psicose. Foi mal Copolla, mas não deu não.

sábado, 14 de agosto de 2010

A origem e o lugar onde ocorrem os conflitos humanos



















Deixem-me ser bem pedante e americanóide nesse momento. Estou completamente em cloud nine! Christopher Nolan did it again! Blowed my mind! Ainda estou incrédulo de como um filme como Iception sequer existe. Muito incrédulo. De todos os aspectos possíveis. Cenas sem gravidade, ok. Cenas de ação sem gravidade, ok também. Mas jamais, jamais imaginaria que alguém fosse criar e executar cenas de ação em que a gravidade do cenário muda de uma parede à outra. E nunca com essa competência. Jamais imaginei um filme com cenários tão bem estruturados, rompendo leis da física ou não. Cenários com um fundo de parede japa com uma ilustração e detalhe lindos. Jamais pensei em um filme com tanta atenção à absolutamente tudo. Direção de arte, fotografia, atuações, direção, montagem, música, roteiro. Enfim, acho que não mereçe nada menos que número um de todos os tempos na minha lista pessoal.

Me precipito? Talvez, até porque quero assistir o filme mais uma meia dúzia de vezes antes de sair do cinema. Ano passado foi duas vezes que o Tarantino me convenceu a ver Inglourious Basterds. Curiosamente, ambos filme tem títulos com palavras sem tradução. Destino? É Deus jogando seus dados? Não sei, só uma coincidência curiosa mesmo.

Um fim de semana depois, após assistir mais uma vez o filme, posso afirmar com certeza que Inception é o Matrix dessa era. Não o filme do ano, mas o dessa década. E um dos melhores filmes de todos os tempos. Avatar vai sofrer o mesmo desgaste que Titanic. Chamativo e revolucionário, mas falta muita liga. E na minha lista de filmes favoritos, por enquanto não vejo nenhum que supere Inception, somente uns poucos que estão à altura. O grande truque é que depois de eu chegar a essa constatação, estou muito empolgado pra assistir todos meus filmes favoritos de novo. Aí sim, poderei dar um veredicto final.

Agora vamos a um fato: Dark Knight, filme anterior do diretor/roteirista Christopher Nolan já foi uma das maiores bilheterias da história do cinema. E diga-se que uma das poucas com uma inteligência aliada à técnica (Stars Wars, Titanic... not so clever). Dark Knight foi um marco cultural. É o que está posicionado como 1º lugar no raking feito pelos usuários do IMDB. Boa parte dessas pessoas estavam ávidas pra ver o próximo filme do Nolan. E depois de Inception, o que essas pessoas viram? Cenas que causam um espanto que não se via desde Matrix, provavelmente. Roteiro tão confuso, deliciosamente viajante e complexo quanto Memento ou The Prestige, os filmes anteriores com o diretor e roteirista Christopher Nolan. Ou seja, Nolan juntou todas suas máximas em um só filme. Digo que ele é um dos melhores cineastas de renome dessa última década. E digo que essa é, até agora, sua magnus-opus.

Em termos de sensações, foi algo muito maior do que um 3-D de um Avatar da vida. Nunca perdi o fôlego como perdi assistindo esse filme. Nunca fiz pizzas no sovaco tão fedorentas. Nunca fiquei com as mãos tremendo no fim. Nunca deixei de sentir as pontas dos dedos. Nunca senti as artérias do meu estômago pulsando. Sim, to longe de ser alguém normal, mas essas coisas nunca tinham acontecido com esse cinéfilo aqui.

Um cineasta-mestre assim não vem do nada. Foram anos elaborando o roteiro. Escrito, até onde se sabe, completamente por Nolan. Quando o negócio começou a ficar complexo demais para ele arriscar fazê-lo, sabiamente Nolan aceitou projetos com maior certeza comercial e a mesma grandeza técnica, onde poderia se aprimorar. Daí já surgiram os baluartes como Batman Begins e Dark Knight.

Vamos ao roteiro e o conteúdo, que no fim, é o que interesse nos grandes filmes. Elogiar as cores bacanas da fotografia e da direção de arte é algo que eu adoro, mas é em grande parte um grande blefe. Podem construir obras únicas e serem lembrados por isso, mas não existe filme bom sem roteiro bom. Se contentar com “mas o contraste do vermelho e com o verde naquela cena” depois de um filme com estória mediana é o fim da picada pós-moderna. No fim, é com um bom roteiro que começa todo bom filme, na minha visão geral a respeito do audiovisual.

Seguindo, o roteiro. Ainda não acredito que foi feito. A complexidade não está em uma montagem em vários “andares”, com cronologia quebrada, etc. Não é o editor brincando com a ordem do filme. Respeitando quase o tempo todo a cronologia de acontecimentos, o filme consegue surpreender na sua complexidade. Pode até causar confusão, mas é como em The Prestige (outro filme do Christopher Nolan). A confusão é bem-vinda. Faz parte do show. Não chegamos a nos perder a ponto de ficarmos irritados por isso. Na verdade, deixar se perder é a base de toda a questão. E talvez essa seja toda a base do que eu chamo de “filmes pós-modernos”. A percepção do que é a realidade ou não está tão presente na mentalidade contemporânea que isso se reflete nos grandes filmes dessa era. Seja no Clube da Luta, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Quero Ser John Malkovich, Matrix, Fonte da Vida, Vanilla Sky, Lost... Todos nos deixam um pouco “lost”, sejam nas temáticas, no suspense não resolvido e em aberto, quebrando-se cronologias ou usando da metalinguagem.

Talvez Apocalypse Now e 2001 sejam os únicos filmes clássicos (muito) anteriores a todos esses que tenha criado tal “aura”. Antes deles, a grande “aura” do cinema foi mostrar mocinhos que não eram tão mocinhos e bandidos que não eram tão bandidos. A ambiguidade substituindo o dualismo maniqueísta que reinou até o meado dos anos 60 foi a marca da modernidade no cinema. A marca da pós-modernidade, portanto, é uma expansão daquela percepção. O preto e branco se misturou de tal forma que o pós-modernismo no cinema questiona se sequer estamos vendo cores ou não. O que é o deserto do real?

Vamos falar do que podem ser os dois únicos aspectos negativos do filme. Nº 1, ele chega a ser megalomaníaco demais. Mesmo com os poucos alívios cômicos (que eu particularmente achei forçadinhos), eu respirei muito pouco durante o filme. Tudo a toda hora é incrivel e surpreendente, chegando a quase exaustão. Há também muita informação pra acompanhar. Pelo menos, peca pelo excesso.
Nº 2, pode exister uma ideologia “maligna” por trás de tanta complexidade e profundida da história. Digo pode, porque essa é a percepção que eu tive da primeira vez que assisti o filme. E outras pessoas me relataram o mesmo. Na verdade, o problema está justamente nessa megalomania do filme. Com tanta coisa que acontece, nosso cérebro joga pra escanteio as reais motivações pra tudo que acontece na trama.

Todo o trabalho homérico do protagonista e seus comparsas é em função de um empresário japonês que quer que o herdeiro de uma mega-empresa energética dissolva seu império em empresas menores, de forma a acabar com um possível monopólio. Lendo aqui parece muito claro. Mas na montanha russa de emoções num crescendo imparável do filme, dá pra entender que o empresário japa quer destruir a mega-empresa do outro pra criar o seu próprio monopólio.
Sabe o que é mais lindo e sombrio? É que mesmo entendendo errado da primeira vez, o filme te convence completamente a compactuar com seja lá o que o empresário quer no fim das contas. O foco é na empatia com o protagonista e com o desenrolar fantástico de eventos da estória, como todo o bom filme deve fazer. É tudo tão foda que aceitamos.

Mais curioso e sutil é o “Welcome to the United States” perto do final no aeroporto (que acabou não sendo nada sutil graças a ideia de alguém de legendar essa placa que está lá em cima na tela, não tem muita importância e nem é muito percebida). Aí já estamos indo longe demais, mas é um elemento básico de boa parte das estórias, o “volta para casa”, que é tirado da Odisséia grega.

No fim, de que trata o filme? É uma volta ao estado original das coisas, consertar o que está errado ou foi destruído ao longo da estória. O protagonista volta pra casa e pra seus filhos. Sua mulher não volta porque obviamente não iriam trazer ela dos mortos nesse tipo de filme. Mas como é que se retorna ao estado original das coisas, então? Superando o trauma da morte. O protagonista se perdoa de sua parcela de culpa por tudo que pode ter causado direta e indiretamente a morte de sua amada. Essa é a volta à origem. E o artifício do filme é materializar esse conflito criativamente com as representações dos subconscientes dos personagens e usar bem todas artimanhas dos blockbusters, que invariavelmente chamam a atenção do público e fazem ele ser visto de verdade e não ser um linda obra completamente esquecida. Quando Cobb está com Mal no limbo, ou melhor, com a projeção que ele criou de Mal no seu subconsciente, e fala que ela é só uma sombra do que foi sua mulher real e que ele tem que deixá-la, isso é a representação física do ser humano superando os traumas da sua mente, seu apego ao passado, ficando finalmente mais zen.




Fico agora com aquela tristeza de quando acabamos um bom livro. Sempre podemos lê-lo de novo, mas nunca vai ser a mesma coisa. Ou melhor, nunca vai ser tão bom. Pode com certeza aderir mais (e no meu caso aderiu mesmo), mas nunca vai ser aquela torrente de espanto como da primeira vez. Não sei quando Nolan vai conseguir igualar algum futuro trabalho sequer nesse mesmo nível, pois superá-lo já me parece quase impossível. O próximo Batman com certeza vai me emocionar muito, mas é por ser uma continuação. Mesmo que seja uma bela merda, vou aplaudí-lo e defendê-lo pela ligação emocional com a série de filmes. Mas essa ligação nunca foi feita a respeito da minha infância, lendo os quadrinhos, me fantasiando de Batman no Halloween, etc. Eu nunca gostei de Batman. Torci o nariz pra querer ver o Batman Begins. É um mestre como o Christopher Nolan que consegue fazer as coisas diferentes. Destruir todos os preconceitos que eu tinha. Só ele conseguiu provar que todas pessoas são tão imorais quanto o Coringa.

A Humanidade é trágica e imoral, andando aos tropeços em um teatro de ilusões. Ilusões da memória, ilusões e grandes truques, ilusões e teatralidades quirópteras, ilusões do subconsciente, dos sonhos e da realidade. Essa pra mim é a ideia que permeia toda a obra de Christopher Nolan. E é nessa ilusão que o próprio cinema se encaixa, nos fazendo viajar e se fascinar. Nolan nos vende essa ilusão audiovisual, uma mentira que adoramos. E adoramos as características dos seus personagens, sejam bons ou ruins. Tudo conforme os planos de um sujeito sorridente que nos dá percepções e ideias que se implantam nas nossas mentes, conscientemente ou inconscientemente, como um vírus. Um meme se multiplicando como uma cadeia de DNA num palco de uma odisséia pós-moderna.

sábado, 7 de agosto de 2010

Incepção cultural






Calma calma, pessoal. Ainda não vou falar de Inception - A Origem. Não vou falar porque até agora nem cheguei a assistir. É um pecado, mas amanhã dou bola pra essa provável obra-prima. Tudo a seu tempo.

Vamos voltar um pouco ao passado. Mais especificamente, 1967. Ano da psicodelia, pensariam vocês? É, até tem aver. Tropicalismo? Com certeza. Mas o foco em especial é ainda outro. É o Festival de Música Popular Brasileira, realizado na época pela Record. Se trata do documentário musical "Uma Noite em 67".

Esse é mais um numa leva de docs brazucas que resgatam nosso passado musical. Nesse aqui tem Gil, Caetano, Roberto Carlos, Chico, Edu Lobo, MPB4 e um pouco de Mutantes. O apanhado histórico do filme, e a qualidade com que conseguiram resgatar imagens e o áudio me deixaram embasbacado. Dá pra ouvir um "filho da puta" de alguém da plateia do festival.

Falando na parte histórica, o filme conta o que eram os festivais de música da época, o papel de juventude que florescia e desses músicos já citados e hoje eternizados na cultura mundial. Tudo intercalado com depoimentos atuais dos sobreviventes e as execuções das músicas ao vivo com imagens de arquivo. Dá pra se ter uma bela noção do momento histórico da época, assim como também desmistifica certas percepções idealistas que viraram lenda popular e assumidos como tendo acontecido.

Acima de tudo, os depoimentos são de se mijar de rir. Com o passar do tempo, alguns elementos de cada um dos músicos podem ter ficado no imaginário popular (e meu) como meras simplificações das pessoas reais, mas o pior é que tudo tem um fundo de verdade. O Gil, particularmente, é pura viagem e enrolação ao mesmo tempo.

É muito importante pra memória e entretenimento pacas. E isso vindo de um pirralho de 19 anos que não tem a mínima noção do que foi ter vivido naquela época e que dedica pouquíssimo espaço à música brasileira no seu HD. Vale muito!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

"Hay que endurecer pero sin perder la ternura..."




Morte da infância, inferno físico e astral, niilismo, hedonismo, déspotas políticos, anti-militarismo, homenagem/paródia à cultura espânica, idealismo, adultescência e a Odisséia. Isso tudo e muito mais é o Toy Story 3.
Quem não quer estragar nenhuma surpresa, não siga na leitura. Só siga imediatamente pra um cinema que esteja passando Toy Story 3.

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Ah, como é bom lavar a alma com um filme bom depois do desastre audiovisual do “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” de ontem. E relembrar a infância no meio disso tudo.

Começemos pelo começo. O filme pode ser apreciado por qualquer um, mas em especial pra quem viu os outros Toy Story’s quando era criança. Os personagens envelheceram junto com o público da época. Com o garota Andy indo pra faculdade, ele tem que dizer adeus a sua infância, personificada nos seus já clássicos brinquedos, Woody, Buzlighter, Senhor-Batata, Rex, etc. Quase todo mundo tá no barco. E todos outros novos personagens brinquedos são igualmente criativos e muito bem apresentados ao público. Destaque para as versões fresca mas nem tão burra da Barbie e o metrosexual afeminado Ken.
Eis o principal tema desse Toy Story 3: a passagem da infância para algo mais próximo da vida adulta e toda nostalgia e dureza que isso pode causar. Atire a primeira pedra quem não lacrimejar com o adeus dos briquedos, a mãe de Andy olhando o quarto vazio do filho e por fim Andy apresentando os seus brinquedos à Bonnie, a garota que passa a brincar com os brinquedos. E a dureza com a qual o filme retrata o tema é um sinal da adultescência que a minha geração vive.

De início os brinquedos, principalmente o protagonista idealista Woody, não querem abandonar sua criança, Andy, mesmo com a tentadora possibilidade de serem amados por outras crianças em uma creche e assim recuperarem suas razões de existirem. Eis aí mais um dos pontos do filme, não deixar certos idealismos morrerem com o passar do tempo e na passagem infância-juventude. Por um lado a infância total é vista como algo próxima da barbárie, simbolizada nas crianças do primeiro nível da creche que se mostram “monstros”sem nenhuma noção de boas regras de convívio na sociedade e assim incapazes de brincar com os bonecos sem destruí-los. Por outro lado, quando Andy não quer se desfazer totalmente dos seus brinquedos o filme demonstra que ser completamente “civilizado” e adulto não é também o melhor caminho. No fim, o grande lance é encontrar o ponto de equilíbrio.

Quando os brinquedos do Andy acham a creche incrível num primeiro momento, Woody chega a chamá-los de “egoístas” porque não querem voltar pro Andy, apesar de que supostamente na creche eles estarão fazendo mais crianças felizes, o que se caracteriza como altruísmo e não egoísmo. Aí reside um pouco do individualismo de Toy Story, mas enfim, não dá pra esperar outra coisa de uma obra de arte que reflete muito bem o mundo contemporâneo, principalmente o mundo da visão americana e ocidental. E o Brasil, um parque de diversões com macacos pro Sylvester Stallone, é assim também.

Vamos ao próximo tópico, o hedonismo e o niilismo. Lotso, o urso de pelúcia que comanda os brinquedos da creche de todas maneiras possíveis, se torna um niilista/hedonista após descobrir que sua dona comprou outro urso igual a ele depois que ele foi esquecido em um piquinique. O esquecimento não foi uma desvalorização do urso, mas ele não percebe. A garota dormiu e foi posta no carro pelos seus pais sem ser acordada. Logo, foi um infortúnio do acaso. Acaso que muitos culpam Deus ou qualquer outra coisa. No caso do filme, como as crianças são os deuses dos brinquedos, o urso culpa ela por ter sido deixado de lado e depois substituído por outro urso igual.

Dessa forma, o urso deixa de acreditar. Perde fé. Morre sua ideologia. Enfim, ele assume uma retórica niilista por não acreditar em mais nada e ser um nada pois “não passa de um monte de pano que não tem função nenhuma nem importância, só esperando a vez de ir para o lixão”, e também se torna um hedonista porque passa a cuidar de seu umbigo de pelúcia acima de tudo, buscando algum prazer à qualquer custo na sua existência sem propósito.

Bom, é nesse caminho que Lotso se torna um déspota e ditador dos brinquedos da creche. Paga de bonzinho para os brinquedos novatos do Andy, enquanto que na verdade só quer deixa-los confortáveis o suficiente para serem os “proletários” que devem aguentar as crianças em estado de barbárie do jardim A, que só sabem mordê-los e quebrá-los. Tudo em prol de um bem maior. Bem maior que só corresponde a um estado de bem estar social para o “topo da pirâmide” e seus aliados, como bem fala o Ken. Os brinquedos novatos são a bucha de canhão, os que devem se sacrificar bastante para manter os privilegiados com seus privilégios e muito provavelmente nunca conseguirem sair dessa situação. E assim se desenrola uma clássica disputa de classes transportada ao mundo dos brinquedos pelos roteiristas marxistas da Pixar. Tudo em uma creche que consegue ser transformada em um lugar assustador, uma prisão com celas, um trilha sonora de gaita de boca e até um solitária, uma caixa de areia com tampa =]

Céus, será que a Veja não percebeu toda essa subversão esquerdóide antes de publicar uma crítica positiva do Toy Story, esse Encouraçado Potemkim do século XXI?


A parte do lixão e sua fornalha são uma representação do inferno, sem dúvida. E sabe, eu quase acreditei que a Pixar iria arriscar um final triste (calma, tão trangressor ainda não!) com todos brinquedos morrendo. Morrem juntos, mas com seus idealismos até o fim. Mas claro, eles se safam e voltam a ter seu lugar ao sol. Dá pra ser feliz, acreditar no bem, justiça, um pouco de idealismo juvenil. Enquanto isso, mesmo depois de salvo por Woody de uma morte certa, a maldade hedonista de Lotso não some quando os brinquedos precisam que ele aprte um botão para freiar a esteira da fornalha do lixão. Depois o final reservado a ele é uma espécio de inferno com sofrimento infinito, amarrado ao capô de um caminhão de lixo. Não dá pra ajudar quem não quer ser ajudado. E o crime não compensa, gurizada.

Muito bacana é a avacalhação aos militares, quando o urso reprograma Buzz pra obedecer ele e vigiar os brinquedos rebeldes do Andy que querem escapar da creche. Ele vira um completo Jarhead, um cara com um cérebro tão cheio quando um vaso vazio.

Passando para mais um momento de brincadeira com esteriótipos, também protagonizado pelo Buzz, ele se torna o perfeito espanhol de tourada quando os brinquedos do Andy tentam reprogramar ele de novo pra memória dele voltar. O bacana é que juntamente com uma certa avacalhação, ele também fica mais fodão. E tudo isso ao som de Gypsy Kings. Sensacional. Melhor que isso só uma guriazinha de 7 anos que tentava requebrar ao som do flamenco dos créditos. Mais hilário ainda.

Pra fechar, só uma olhadela na premissa e desenvolvimento do roteiro do Toy Story 3. Ele é uma reletura d’A Odisséia, uma jornada de um herói de volta para a sua casa. A mesma premissa dramática se encontra em boa parte de toda a ficção já criada pela humanidade. E no Toy Story não é diferente. Os brinquedos passam quase todo o filme tentando resolver o problema de como fugir da creche e voltar pra casa de Andy. No fim, não retornam à casa de Andy, mas a de uma outra menina. Pode não ser a mesma casa, mas é novamente um lar, seguro, onde existe outra pessoa que, tal qual o Andy uma vez já fez, vai amar os brinquedos. A alegoria da volta para a casa, ou melhor, da volta para um estado original das coisas se revela inclusive no primeiro e no último plano do longa. A primeira coisa que vemos é um céu azul com algumas nuvens. Depois a câmera se movimenta pra baixo e revela uma planície desértica, clássica de um bom faroeste. Já o último plano é o movimento contrário. Mostra-se a casa da nova dona dos brinquedos, a câmera afasta e sobe, revelando um céu azul com nuvens, idêntico ao primeiro plano do filme. Essa galera da Pixar fez muito bem o dever de casa.


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Em suma, vale muito! Um filme muito bem feito em amplos sentidos e que representa muitas coisas, ainda mais para quem cresceu com esse filme na cabeça e não teve a chance de dar um adeus formal à ele e a uma parte da nossa própria infância.

sábado, 31 de julho de 2010

Imigrantes psíquicos




É com alguma demora, mas tomei vergonha na cara pra escrever sobre um dos que eu considerei um dos melhores filmes que passou nesse último Fantaspoa: O Traficante de Sono (Sleep Dealer).

Ele já veio com uma boa bagagem, premiado em Sundance e tudo o mais. Assistindo o trailer para o meu deleite reconheci a voz do David Hayter, eterno Solid Snake, como o narrador.

O filme só peca em algumas cenas com efeitos digitais que são desnecessárias e ficaram mal feitas, atrapalhando a fruição do negócio. Mas é só isso, todo o resto do filme é ótimo.

A direção e roteiro do novato Alex Rivera, co-escrito com o também novato David Riker, são muito criativos. Em um futuro não muito distante, a mão de obra de países de 3º mundo é usada à distância através de robôs controlados pelos pensamentos dos trabalhadores. Os mexicanos são os operários em destaque nessas "fábricas" em que eles "traficam seu sono" em troca de um salário mirrado. Como diz um dos donos de uma fábrica: "Os americanos conseguiram tudo o que queriam. Ter nossa força de trabalho sem precisar ter que nos aguentar por perto."

Com implantes neurais no braço, feitos muitas vezes de forma ilegal, eles tiram um sustento. É dessa forma que vive o protagonista, Memo (provavelmente de memória ou meme, mas o filme nunca explicita o porque desse nome). E daí começa todo o negócio.

O interessante é que o filme vai mostrando outras profissões ligadas aos implantes neurais, como a de uma escritora que faz upload de suas memórias visuais e as narra, pra vender depois na internet. E só melhora, o desenvolvimento da história é bem feito e amarrado, com algumas reviravoltas inclusive.

A fotografia é linda, desde as áridas planícies infinitas do deserto mexicano, as cidades superlotadas e também os locais de trabalho dos robôs, sequênciais sabiamente feitas completamente no computador, de forma que os robôs digitais não destoam de um cenário real.

As atuações dos protagonistas Luis Fernando Peña e da Leonor Paz convencem muito bem, acompanhados da direção sem muitas firulas. É um filme bem redondinho e que como toda boa distopia usa de um pouco de imaginação futuróloga pra travestir um tema social atual e assim deixar a discussão desse assunto mais interessante (como também é o caso de menos brilhante Distrito 9, que usa um conflito entre humanos e aliens como metáfora do racismo).

Espero que ele venha a entrar no circuito nacional de cinema, mas em DVD vai sair certo. Confiram!

Glauber Rocha não morreu, olê, olê, olá!

Glauber Rocha vive. Essa é a impressão que me ficou quando terminou "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo". Quando eu pensei que o pessoalzinho "canal Brasil" iria um dia deixar de lado essas coisas ruins do passado, volta uma dupla de "artistas" que acha muito interessante filmar cenas cotidianas, no sertão nordestino, câmera na mão, baixíssima qualidade da imagem (e do som da narração). E nem adianta me dizer que é licensa poética que se enquandra dentro de uma proposta. É uma bela probosta, isso sim. Estetizar a tosquice e "mal-feitiçe" de uma obra audiovisual e achar que está fazendo algo bom é no mínimo um paradoxo. Paradoxo que os amigos da Petrobrás seguem acreditando piamente.

Em dado momento do filme eu olhei para as pessoas ao redor na sala de cinema, todos bocejando, mas se esforçando muito pra curtir o programinha artístico e intelequitual do sábado de tarde chuvoso. Acho que se as 20 e tantas pessoas que estavam lá pagassem meia entrada, ainda assim custeava toda a produção desse mamute cinematográfico. É uma câmera, um narrador. E nenhuma ideia na cabeça. Ah, e as tais viagens de um ponto do cú do mundo ao outro ponto do cú do mundo. Tudo feito por uma fotógrafa que tem sérios problemas de miopia, mas ninguém diagnosticou até hoje. Imagem travada e tremida, mas tremida e esticada afú. Pelo menos é o que parece tal qual a captação precária da imagem. E quase dá pra ver os pixels. Imagem sempre granulada. E como eles gostam de slow-motion travado...

O filme nunca se decide se quer ser um documentário ou ficção, e isso não me parece "vanguarda" ou "quebra de paradigmas". Tudo parece que foi feito completamente por acaso. Os caras tem a ideia de fazer um filme bem barato e chinelão sobre um geólogo tedioso e sua viagem tediosa durante um trabalho no interior do sertão nordestino. E deixaram a câmera ligada captando imagens cotidianas, do movimento da estrada (que é bem pouco), de um posto (da Petrobras, claro), de um restaurante de beira de estrada, de uma procissão religiosa, etc. Ah, e tudo intercalado por várias fotos. Fotos também de péssima qualidade. Isso tudo sem o protagonista nunca aparecer (das poucas decisões da direção que eu achei interessante, mas enfim...)

Lindo, não?

As pessoas que aparecem (boa parte também através de fotos) e suas histórias são narradas pelo protagonista. Só uma vez dão a chance a uma prostituta de poder falar com a câmera. E um tiozinho que faz sapatos e canta músicas românticas-brega (e ele fica cantando a música inteira, filmado em um plano parado). Eis aí mais um momento em que os realizadores (me recuso a chamar essa gente de cineastas) não sabiam o que fazer e deixaram uma entrevista documental no meio do filme, enquanto todo o resto dele isso forçadamente não acontece.

Vamos falar de coisas boas? Quase não tem, mas posso elogiar a música. Ela é bem experimental, intercalada por grandes sucessos de música-brega-nordestina-feita-para-caminhoneiros. Mas o clima que ela (tenta) criar só não é alcançado pela direção cheia de poesia visual que cheira à coliformes fecais. Sozinha, ela até funciona pra dar sensação de deslocamente e agonia.

Bom, era só isso de bom mesmo. O resto é sofrível. O título nem se justifica, que o protagonista fica se lamuriando sobre a distância de sua amada usando um gravador de bolso de 1970 enquanto vai traçando uma bela quantidade de putas pobres com alguns dentes faltando no rosto. Volto porque te amo? Acho que durante o filme todo eu queria sair do cinema porque eu me amo, pelo menos o suficiente pra não querer passar por mais uma tortura audiovisual depois de ter insistido uma vez em assistir Terra em Transe até o final.

De boa, era melhor eles terem feito um documentário. Pelo menos ainda menos gente iria no cinema pra ver esse tipo de filme que ao meu ver é inútil e ineficaz em todos os sentidos e suas probostas. Palmas aos festivais de cinema brasileiro que deram louvores e premiações pra essa sucata!




Vocês também não tem a impressão que tem mais festivais e premiações de filmes brasileiros do que filmes brasileiros que entram em cartaz por ano?

terça-feira, 20 de julho de 2010

A 8ª maravilha do mundo


Vamos começar pela premissa do filme, que é nisso que ele é forte. Um grupo de pessoas de diversos países, cansados de verem injustiças no mundo e se sentindo pouco representados pelos seus representantes decidem formar uma espécie de país virtual. Qualquer pessoa de qualquer lugar pode ganhar a nacionalidade desse país, desde que respeite sua constituição, que foi feita à la wikipedia, com cada membro ajudando um tanto e sugerindo leis. Além disso, à cada nova semana é votado um referendo com uma ação real atrelada a uma causa que o país acha interessante defender. Ações como protestar contra a pena de morte em uma passeata irônica que pede pela morte do peru de dia de ação de graças que recebe o perdão presidencial nos EUA. Ou espalhar mensagens estilo "Jesus breve voltará" por todo o Vaticano, acompanhadas de camisinhas. O nome de país é 8th Wonderland.


A medida que as ações ganham publicidade espontânea na grande mídia, o grupo começa a ter discussões internas sobre o quanto eles querem se expor, correndo riscos de serem descobertos pelas autoridades. E as discussões progressivamente aumentam na proporção que as ações ficam mais complexas, perigosas e polêmicas. Chega-se ao ponto de que uma ação aprovada pelo 8th Wonderland é moralmente contraditória às ações passadas. Dessa forma, o filme discute a formação de um grupo político e suas implicações em direção ao radicalismo e aos membros contrários as mudanças do grupo.

Todos os diálogos dos membros do 8th Wonderlanda ocorrem numa espécie de videoconferência. O filme dá destaque para um certo grupo específico, composto por americanos, britânicos, um casal italiano, uma garota afegã, um senegalense, um francês, um latino (não lembro se o cara era do Uruguai ou não) e alguns outros. Nessas "assembléias" todos falam inglês de forma a se entenderem mais facilmente. Quando o filme mostra a vida pessoal de cada um, os personagens falam sua língua local, elemento que eu elogio bastante.

Nessas passagens a imagem deles aparece em uma tela, de frente para as telas do outros, em forma de círculo e um sala branca de fundo infinito. A câmera vai passeando de uma tela até outra à medida que os diálogos se desenvolvem. O recurso é funcional, mas como o filme se baseia muito em diálogos, pode cansar um tanto.

O filme é intercalado de vários telejornais de vários países, que discutem o que é o grupo, as suas ações, defendem ou desvirtuam, dão destaque ou não. Assim como nas histórias pessoais de cada membro da 8th Wonderland, os telejornais respeitam o estilo e linjguagem locais. Seguem-se discussões sobre o papel dos meios de comunicação e as suas agendas. Afinal, de que adianta uma ação que ganha destaque num dia e no outro o interessa da mídia e do seu público muda para qual o nome do cachorro do Obama?

Todas ações do grupo são bem interessantes e poem à mostra as muitas influências da globalização na vida contemporânea. Se as multinacionais são muitas vezes inescrupulosas, os mesmos meios de comunicação e transporte que possibilitam sua existência também fez possível a criação da 8th Wonderland.

O filme segue uma linha de suspense político, com uns toque de humor, às vezes bons às vezes na forma de um alívio cômico barato. A produção do filme enfatiza uma certa simplicidade, que chega ao nível do explicitamente tosco em certos momentos. Ser completamente sério e bem feito não era o foco, e provavelmente estava além do orçamento do filme, então a decisão por ter passagens visivelmente simples ou mal feitas fica até mais apropriado. O problema é quando isso começa a minar o roteiro. Algo parecido com "Um Dia Sem Mexicanos", só que esse pode pode ser tosco porque ele se propôs a ser mais escrachado.

As cenas toscas começam a se refletir numa certa ingenuidade da história no geral. As ações são por deveras complicadas e dão certo demais (falir uma multinacional com uma campanha de conscientização e com sabotagem, por exemplo), os membros da 8th Wonderland se veem seguros na internet porque um deles é um agente da CIA (duvido muito que a Agência contrataria alguém com alguma dúvida de lealdade, fora um espião que não teria interesse em trabalhar com idealistas) e sobretudo o happy ending nem um pouco convincente.

Dá pra perdoar os exageros porque pelo menos as propostas e discussões do filme são bem interessantes, mas faltou um pouco mais de polimento. Assistam sem muito medo:

http://www.youtube.com/watch?v=kbiHOii4Ag0

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ferroada pouco espirituosa




Stingray Sam é uma mistureba de comédia com faroeste com ficção científica com musical. Sim, isso é possível, mas não quer dizer que funcione. Como título experimental até rola de boa, não é nenhuma grande masturbação teórica ou tentativa pretensiosa de obliteração da linguagem típica do cinema em detrimento de substituí-la por alguma outra coisa, mas ainda sim torra um pouco o saco.

Ele realmente tem momentos engraçados, principalmente o lance de uma cena normal se interromper para os personagens explicarem alguma coisa cantando, mas nem sempre que tem um número músical que presta. Já outros, como no momento "Let's have a party, everybody, go retarded!" tem letras muito massa que colaboram.

Ah, esqueci de mais um detalhe: o filme é em preto e branco. Parece ainda mais "quero fazer arte", mas o resultado é bem feito e ajuda o filme na sua estética principal. A estética no caso é tanto fazer o filme parecer algo futurista e velho. Um retro-futurismo. Algo como um seriado de ficção científica, concebido nos anos 50, se passando nos anos 2000 com naves interplanetárias que mais parecem o submarino amarelo dos Beatles. Tudo feito da maneira mais aparentemente tosca. Bom, acho que deu pra entender.

O preto e branco, os efeitos toscos, objetos futurísticos feitos com papel alumínio e isopor e personagens vestidos de cowboys, tudo ajuda nesse lance de ser velho e novo ao mesmo tempo. Junte à isso explicações sociológicas e científicas desse mundo intergalático e avançado apresentadas em sequências feitas com colagens no melhor estilo "clipe do Franz Ferdinand" (http://www.youtube.com/watch?v=LzPplBE75tQ) e tem-se a mistura.

Já a história é chatinha, com algumas canções boas e outras chatinhas no meio, e com uma simulação de que a pessoa está assistindo uma mini-série ao invés de um filme.
O cantor de saloon e ex-presidiário Stingray Sam se encontra com seu antigo parceiro e também ex-presidiário, Quasar Kid, para completar a missão de encontrar e resgatar uma garota sequestrada em um planeta que só tem homens que engravidam artificialmente combinando DNA's entre eles.
Tudo tem somente 1 hora de duração e ainda por cima dividido em 6 episódios, um depois do outro. Só que cada vez que acaba um "episódio" surgem os créditos finais. Depois os créditos iniciais do próximo surgem e é assim até o final. É uma perda de tempo e pura chatice.
Enfim, tem seus momentos bacanas, mas tentou juntar coisas demais sem dar a devida atenção a cada uma delas individualmente. Faltou polimento e é de longe o filme mais fraco que eu assisti no Fantaspoa desse ano.


No youtube achei os 2 primeiros episódios:
http://www.youtube.com/watch?v=4S4N0lthxmU&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=CIxixu_syqM&feature=related

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um pouco do meu DNA memético

Tudo começou com Jurassic Park. Só a possibilidade de ver dinossauros gigantescos caminhando era algo completamente fantástico. A questão da “fábrica de sonhos” e da “magia do cinema” começaram a se cristalizar a partir daquele momento em que se revelava um “pescoçudo” de 33 metros da altura se alimentando de eucaliptos. Pois bem, ali se plantou a sementinha do mal, mas ainda não no sentido completamente compreendido como uma paixão pelo audiovisual ficcional. Foi mais uma paixão pelo que ele mostrou, à época, que eram criaturas das quais só se tinha noção em fotos de fósseis e se imaginava como teriam vivido, andado, se alimentado, etc. Só alguns anos atrás que percebi como foi ali que, perdoando qualquer conotação homossexual, Steven Spielbergh me fez perder meu cabaço cinematográfico. Ainda assim, eu era mais um aspirante à paleontólogo do que cineasta.
Após essa nossa primeira vez, só podia esperar por mais. E essa veio, mas não diretamente desse judeu queridinho de Hollywood sentado na sua cadeira com os dizeres “Director” atrás, e sim de uma “mera” produção executiva. E essa produção executiva era o MIB. E olha que, mesmo não tendo nenhuma autoria sobre a obra, esse filme tem mais um dos temas recorrentes de Spielbergh, além de velociraptors ou tubarões, que são os alienígenas. Como a propaganda da Globo dizia com muita alegria “de Steven Spielbergh”, pra mim não teve erro, fui ver bem alegre. E ainda por muito tempo achei que era tudo saído daquela cabeça nerd com um boné do ET. E sim, ET’s foi o outro elemento fantástico que me fascinou. Ok, o Will Smith era engraçado o filme inteiro e chamava o ET vilão de “baratão”, mas a falta de seriedade (em relação ao Jurassic Park) não chegou a afetar a credibilidade, por assim dizer. Aliás, foi até pior do que os dinossauros. Veja bem, uma coisa é uma criança esperar por um futuro próximo onde cientistas conseguiriam clonar dinossauros e fazer um parque temático (algo que sigo esperando), outra coisas é a possibilidade de vida fora do planeta Terra estar infiltrada entre nós. Cara, isso é outro nível! Conspiração o suficiente pra abismar qualquer infante. Os alienígenas estavam entre nós, sem dúvida.
Toda essa paranóia só se agravou com o desenho. Aliás, pra ser bem sincero, não lembro até hoje se assisti primeiro ao desenho no Cartoon Network, ou ao filme que o Steven produziu. Mesmo com todo o lance da propaganda da Globo ecoando no meu cérebro e me atraindo para ver uma outra obra supostamente do mesmo cara que mostrou dinos “reais”, não descarto a possibilidade de que o meu vício infantil (TV ligada no Cartoon Network todo dia) pode ter-me feito assistir ao desenho primeiro. Porque mais forte que a propaganda da Globo ecoando, é a lembrança de quando descobri que o desenho foi feito depois do filme, o que sempre achei o oposto. Então, sigo com essa dúvida amargando minha consciência.
Pois bem, o desenho. E que desenho! Ele era muito mais sombrio, apavorante e paranóico que o filme! Filme que era pra “gente grande” também ver e que tem gente real. Desenho, que é pra criança sem discernimento do mundo, era muito mais crível que o filme, que era pura comédia escrachada. Nada pior que cada episódio o narrador enunciar:
- MIB, Homens de Preto. Episódio de hoje: “A síndrome de ...”

Caralho! Que diabos é o significado de “síndrome”!? Como uma criança feliz vai saber isso? Então, talvez já vem daí o meu futuro apreço pela loucura e afins. Esse desenho me gerou, com certeza, uma síndrome.
Para piorar ainda mais a situação, logo veio um “genérico” do desenho do MIB, “Os Mixtérios de Roswell” (com aquele “x” porque o locutor não escondia seu carioquês). Bom, aí fudeu tudo. Aliens não só existiam como eram as origens de todos outros relatos míticos, como bruxas, lobisomens, zumbis... O estrago estava feito. Benzadeus que na época eu não tive contato com Arquivo X, se não estava cursando jornalismo pra escrever pra revista UFO (será que realmente precisa de diploma pra escrever nela?)
Os filmes de et’s de Spielbergh, que propriamente o lançaram como o “diretor alienígena”, Contatos Imediatos de 3º Grau e ET, só fui ver muito depois. Mas enfim, Steven Spielbergh era o primeiro nome de cineasta que meu cérebro wikipédico armazenou na memória. Alguns anos depois, toda a febre pelo sujeito voltaria de maneira gloriosa, dessa vez sem ET’s nem brontosauros, mas com uma história muito mais real. Tão real que, pelo menos o seu cenário, era real. Ou melhor, foi real. Falo-lhes da 2ª Guerra Mundial e como Hollywood foi para o combate (e voltou a fazer um filme de guerra que chama se a atenção do mundo) com O Resgate do Soldado Ryan. A febre foi tão grande, mas paradoxalmente foi o último título a filmografia Spielberghiana que me chamou a atenção e também o título que me fez de certa forma desgostá-lo anos depois.
Eu e meus amigos nerds tínhamos encontrado outro tópico de discussão que não fossem extra-terrestres, (não posso me esquecer que na época que vi O Resgate do Soldado Ryan foi anos depois do lançamento no cinema, até porque em 98 eu não tinha nem a pau idade pra poder ver tripas estendidas nas areias de Omaha Beach) até porque “Sinais” era o filme do momento (aliás, meu filme favorito com aliens). Agora poderíamos falar de assuntos realmente relevantes como História e Política (lá se vai a paleontologia e a biologia). Como na época do MIB, outros elementos se agregaram para aumentar ainda mais o meu zietgeist pessoal do momento: era o jogo Medal of Honor. Eu podia ser completamente descordenado tentando dar tiros com uma Mosin Nagant com um mouse, mas foi com certeza uma experiência sem iguais. Enquanto a febre das lan-houses se inicia com os nerds mais patéticos jogando RPGS e a pirralhada genericamente chata matando a si mesma no Couter-Strike (“Que jogo imbecil” era meu pensamento na época) nós nos deliciávamos com as tecnologias arcaicas dos anos 40 e com a atmosfera de tragédia humana que pairava nas eternas nuvens cinzas dos cenários do jogo.
Mais adianta, haveria mais uma pedra no meio desse rio que viria a ser tornar o rival de Medal of Honor nos jogos de tiros de primeira pessoa, chamado Call of Duty. Naquele momento, não só eu e meus comparsas nos inclinávamos menos ao lado dos americanos quanto deveríamos estar inclinados (seria uma raiva em relação a Guerra do Iraque que se iniciava? E ainda assim, a guerra americana contra os nazistas nós apoiávamos...), aí me vem esse jogo muito mais elaborado e de proporções épicas que coloca o jogador na visão não só de um soldado americano, como de um britânico (“Hmmm, parecem mais boa gente”) e de um russo (“Caralho! Esses caras são muito fodidos e fodas!”). O brilho do Dia D começava a se desgastar em relação à heróica resistência russa em Stalingrado. O meu filme de segunda guerra favorito passava a ser Círculo de Fogo. Antes a suástica e a águia pareciam um símbolo assustador de poder, mas agora encontrava na foice e no martelo numa bandeira vermelho sangue um símbolo de força que não fez campos de concentração para incinerar corpos de narigudos do clã Spielbergh. E com a minha professora de geografia falando que no comunismo todo mundo ganharia pelo menos um casaco, poxa, aqueles barbudos bigodudos devem ser muito legais.
Como Winston Churchill (que entre todos líderes da 2ª Guerra acabou prevalecendo para mim até hoje como o melhor ou “menos pior”) dizia “Quem não foi comunista até antes dos 20 anos não tem coração.” Que foi o meu caso. Depois eu entendi a segunda parte da citação que seguia com “E quem segue sendo comunista depois dos 30 não tem cérebro.” É, depois de ler 1984, meu livro favorito, no fim do 1º ano do ensino médio, já dá pra desmistificar vários elementos da utopia comunista. Acho que desde então que eu e o Cazuza estamos procurando uma ideologia pra viver. E não é Marina Silva que me convence de ser um verde.
O que me fica muito dessa época é o interesse em política, história e videogames. A parte de história e política ainda se repetiria na imersão em mais um filme da época, analisando outro Reich, mas aquele controlado por Júlio César. “Gladiador” foi outro marco importante, de forma que mesmo podendo hoje observar todos os exageros e erros históricos típicos dos épicos, não posso deixar de amar O Último Samurai ou God of War.
Voltando ao fator cinema, sem esquecer a política, e ainda por cima juntando dessa vez a biologia, co-irmã da paleontologia dos dinos, vou a uma das maiores influências minhas até hoje. Antes de 1984, antes de me tornar um cinéfilo. Falo de mais um videogame (sim, minha nerdice é incurável), a obra-prima definitiva que mudou tudo: Metal Gear Solid. Talvez o mais próximo de um filme interativo. Mesmo com seus personagens gimmick e kitsch ao estilo quadrinhos, desenho animado e filmes b exploitation, era o mais impressionante roteiro que eu já tinha visto se desenrolar diante dos olhos (e em alguns momentos com o controle na mão efetivamente fazendo alguma coisa). Cara, o jogo tem mais tempo de animações e diálogos de rádio do que um épico de 2hrs40min.
Nunca mais me sai da cabeça as diferentes frases e expressões de cada personagem. As dublagens, mais afudês que muitas atuações por aí, constantemente me afloram e me fazem repetir falas com imitações melhores do que as de Sílvio Santos. E o mais curioso foi que Hideo Kojima, o primeiro nome de um criador de um jogo que tornou-se popular, me ensinou mais sobre cinema do que eu conseguia entender assistindo um filme. Já que os elementos narrativos, lingüísticos e estéticos do cinema estavam se apresentando em outro meio, ficaram mais fáceis de se delinear. Sou eternamente grato a esse sujeito. Mudou meu jeito de ver a vida humana inteira, graças a quantidade de Teoria do Gene Egoísta que ele carregava e explicitava. Se eu já tinha uma mente meio de biólogo desde Jurassic Park, aqui dói a aplicação filosófica à vida em geral. Com tantas teorias e conspirações governamentais, criando em mim um senso crítico em relação a quase tudo que carrego até hoje, e juntamente com a linguagem cinematográfica aplicada a uma obra audiovisual interativa digital, os memes do meu cérebro nunca mais foram os mesmos (e se eu estou usando a palavra meme é por causa das ideias e teorias contidas no Metal Gear Solid 2 Sons of Liberty).
O vício chegou a estender-se até a marca de cigarro que eu fumava (“Só Lucky Strikes, porque é o que o Snake fuma no Metal Gear 2 do MSX”) até ano passado. E sabem do pior? Ainda não joguei o Metal Gear Solid 4. Quando terminá-lo 3 vezes fazendo tudo, posso morrer feliz.


Ainda tem Quentin Tarantino e como usar referências de filme ruins pra fazer um filme verossímel e bom (e influenciando todo um respeito pelos exploitation e principalmente os Spaghetti Western e filmes de gênero italiano e criando outro culto, que se chama Clint Eastwod {junto com Solid Snake e Jack Bauer, o exemplo de macho alpha que inconscientemente todo homem precisa}) e toda a cinefilia que tomaria conta de mim definitivamente a partir do 1º ano do ensino médio, 24 Horas com o seu agente do governo em uma trama tensa (ecos de Solid Snake), Lost e sua ficção científica (com um final nem tão científica assim) ampliando horizontes de cenário (sem futurismo ou cenário urbano) e de nível dramático (sim o final é ruim, mas chorei bastante na hora do adeus), e até o recente The Office (me alegra muito na vida e é um reflexo do cotidiano muito bem feito, com personagens que me identifico (trama amoroso de Jim e Pam) e outros que fazem coisas ruins, mas sem querer e que às vezes fazem o bem, além de muita sinceridade: “Eu não quero um puxa-saco que seja assim porque pode ascender na vida dessa forma, eu quero um puxa-saco que seja assim por realmente me amar.” Enfim, um reflexo da vida, do jeito das pessoas e como temos que aturá-las com seus jeitos e também um reflexo das contradições da vida.)

Sei lá, usei muitos parênteses e quero sair do PC agora. Outro dia me aprofundo mais e segui para o próximo capítulo de minhas memórias meméticas. Vou assistir Navajo Joe agora.

sábado, 10 de julho de 2010

Assentos espaçados

A solidão é um estado de não conexão com outros indivíduos, que em contra partida cria outras conexões, todas com um grau maior ou menor de ridículo e obssessão. Depois de passar um tempo em silêncio em uma sala escura e mesmo depois de acabada a sessão, ficar sem trocar muitas palavras com as pessoas ao redor, o que se quer? Ficar mais tempo em silêncio, sozinho, deixando a película de prata iluminada danificar mais um pouco a córnea ocular.

Enquanto isso, tento me acalentar de alguma forma com as músicas lindas e tristinhas do lado b do Abbey Road.

O sanguessuga e o primata




Ainda dentro do Fantaspoa, teve um dia que encarei uma sessão dupla: "Strigoi", um filme britânico ambientado no interior da Romênia, e "O Garoto Macaco", filme italiano que era para ter contato com a participação do diretor e do diretor de fotografia. Pena que eles não puderam comparecer, pois os dois influenciam muito na maneira que a história é contada.

Strigoi não só se passa na Romênia, mas é um grande parte um filme romeno. Quem assistiu já "Casamento Silencioso" vai entender. Não dá pra chamar de um movimento cinematográfico, mas naquele país se fazem filmes que são o equivalente do realismo fantástico literário nas telas.
De início acompanhamos um jovem do vilarejo investigando a morte de um velho do local, fato que aparentemente causou mais alegria do que lamentação na população local. O protagonista quer saber o porquê e assim segue uma trama de suspense com tons humorísticos constantes. Humor muitas vezes absurdo e surreal, e aí que há boa parte da graça. Depois que se descobre o que é o Strigoi do título, o lance começa cada vez mais a pender para o realismo fantástico e sobrenatural, mas tudo se desenvolve no seu tempo e de forma que não é uma reviravolta barata.
O único problema do longa é que justamente para ter uma progressão não óbvia, a investigação acaba meio arrastada demais. Depois de certo ponto a platéia já abraçou a ideia do título do filme enquanto que o só o protagonista insiste em ser cético (e portanto, chato). Não acontece o lance de o roteiro estar sempre a frente dos espectadores. Ainda assim, nada que coloque o filme abaixo do nível de bom.
As músicas, como em um bom filme romeno, é fantástica, cheia de temas cativantes com instrumentação típica e inclusive umas 3 canções do Beirut, o que casa muito bem com leste europeu.

http://www.youtube.com/watch?v=_tmxa8NZN3Y


Já a segunda parte da sessão dupla foi foda em todos os sentidos. Se Strigoi prezou por ser seguro e sucinto em seus modos de produção, fora uma câmera lenta aqui e ali junto com a trilha balcãnica, em O Garoto Macaco tudo foi pensado com um conceito a ajudar a contar a história.
Direção sempre com planos subjetivos e muito próximos, cortes rápidos, uma fotografia barroca(muitas áreas de sombra e alguns focos de luz), roteiro fragmentado em capítulos que vão e voltam na ordem cronológica (contando a história de cada personagem envolvido), música envolvente que casa perfeitamente com o clima.

Com uma abertura em animação linda, contando um conto de fadas um tanto sombrio, segue-se uma história fantástica com só o essencial sendo dialogado, que de resto as imagens dão conta de contar. E a história se conta perfeitamente.
O problema é que tudo que o roteiro não precisou de muito diálogo entre os personagens pra se desenvolver, ao longo do filme a narração inicial do conto de fadas acaba sendo evocada vezes demais pra explicar analogias entre o conto e os acontecimentos reais, de forma que cansa o público que já entendeu.

Tanto no conto de fadas como na realidade do filme temos uma menina e seu pai. O grande problema é que a garota sofre de um alto nível de autismo, vindo de eventos que depois são revelados (na forma de uma memória que mais parece uma cena de teatro, muito afudê) e não se comunica de forma alguma com o pai. E um dia, a garota se encontra com o tal ser do título do filme e ambos passam a ter uma conexão nas suas excentricidades. Falar mais que isso estraga. Os eventos se desenrolam de forma que escapa ao controle de qualquer um dos envolvidos, tudo devido às incompreensões de uns personagens com os outros.

Só digo que tudo é muito bem feito nessa versão diferenciada, sombria e complexa de A Bela e a Fera, como disse o diretor Antonio Monti no vídeo depoimento antes do filme. Confiram:

http://www.youtube.com/watch?v=Fxo03IdCzZ8&feature=player_embedded

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Uma noite fantástica por um mundinho fantástico





Acabo de voltar do Santander Cultural, onde rolava uma sessão de um filme parte da VI edição do Fantaspoa - Festival Intenacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre. Pra quem não tem a mínima ideia do que é isso, a parte do "Fantástico" se refere à filmes de conteúdo fantasioso e pura ficção. Ficção todo filme é, mas nesse caso é algo realmente extrapolante. A grande maioria das películas em exibição até domingo dia 18/07 são obras de terror, suspense, ficção cietífica, fantasias quase surreais ou coisa parecida.

Quem quer saber mais e ver a programação, http://www.fantaspoa.com/2010/index.php



Agora vamos à tal sessão. Devo dizer que foi a primeira da história do festival que eu fui e também a primeira vez que vou ver um filme no Santander Cultural. À primeira vista, já me surpreendi pelo ambiente mais "bem acabado" e pela quantidade de cadeiras. Geralmente esses cinemas de "filme arte" e etcs são pequenos, de espaço ruim e qualidade da imagem e som ruins. Não é o caso aqui, que tinha um número de assentos maior e a projeção do filme, feita direta de DVD, estava muito boa.
Outro detalhe, não só me surpreendi com quantos assentos tinha como também com a quantidade de gente que foi. Na boa, não esperava quase ninguém e vi uma boa quantidade de gente disposta a ir num cinema fora de uma shopping, menor e com filmes mais do lado B, numa quarta-feira à noite.

O filme da vez era "Uma Noite na Cidade", de título original e impronunciável em tcheco. A direção e co-roteirização é do Jan Balej, que escreveu o filme junto do Ivan Arsenjev. Produção de Viktor Mayer, música de Tadeas Vercak, design de som do Zbynek Mader e fotografia de Miloslav Spála.


Citei os nomes de todos esses envolvidos não só porque consta no site do festival, mas porque todas essas partes do todo foram feitas com maestria. Música, fotografia, direção de arte, direção, efeitos sonoros e o roteiro, todos casam perfeitos entre si para contar a história de forma magnífica. Claro, a direção de arte do mini-mundo dos bonecos animados, as suas animaçãoes e o roteiro merecem um destaque à mais. Porra, é impressionante a criatividade das diferentes situações e personagens do longa. Mesmo ele sendo separado em três segmentos que pouco tem a ver um com o outro, fora o estilo, narrativa e estética, é um filme perfeitamente apreciado por uma criança de 5 anos e um senior aposentado.


A história é dividade entre 3 partes, a 1ª e a 3ª compreendendo personagens que se cruzam de longe entre si e a 2ª parte, a mais surreal de todas, composta por dois personagens muito bem construídos e peculiares. Tanta desconexão não chega a incomodar, pois a cada momento focamos numa história que é interessante e dá variedade à obra. Se trata de uma animação em stop-motion (aquela da Fuga das Galinhas e Estranho Mundo de Jack, com bonequinhos que são milimétricamente mexidos e fotografados a cada mexida para no fim eles parecerem terem vida própria). Os bonecos eu acho que são de madeira com peças articulas, com formas bem caricatas e engraçadas. Destaque pra um gato feito com latão (igual aos de assar churrasquinho de gato, hehehe) e o rosto é só uma parte de uma fotografia de uma pin-up.

Não quero estragar nada, porque todas histórias são muito inusitadas e fodásticamente criativas. O máximo que posso falar é como boa parte das histórias lida com as loucuras e bizarrieces humanas de forma muito cômica e interessante.

O outro grande lance e certo diferencial do filme é que ele simplesmente não tem diálogo. Porém, ele está longe de ser um filme mudo. Os personagens até dialogam, mas são somente grunhidos enrolados que não formam língua nenhuma (por mais que a língua tcheca deva ser estranho pra cacete). Dessa forma, mesmo sendo da República Tcheca, é perfeitamente inteligível para qualquer um.
O ponto importante do filme e sua sonoridade são os efeitos sonoros. Eles dão toda a vida para as ações dos personagens, tornando aqueles bonecos inanimados em seres mais próximos de possuir carne e osso. Some aí a música fantástica e se tem algo que daria pra imaginar Chaplin fazendo hoje, se estivesse vivo.

Todos esses elementos curiosos não fazem de Uma Noite na Cidade uma punheta de "arte pela arte" ou algo pretensioso demais. Sim, eu não sei se vi coisa parecida, portanto ele sem dúvidas é inovador. Mas mais do que isso, a capacidade de manter o público atento às diferentes histórias surreais é o arroz-com-feijão do filme. Posso exagerar no lance de criança de 5 anos, que não entenderá algumas insinuações sexuais e podem se traumatizar com a única cena com sangue(só que é sangue de massinha de modelar!) do filme, mas boa parte é compreensível pelas mais diversas pessoas em diferentes idades e divertindo-as na mesma proporção.

Realmente, é fantástico.