sábado, 31 de julho de 2010

Imigrantes psíquicos




É com alguma demora, mas tomei vergonha na cara pra escrever sobre um dos que eu considerei um dos melhores filmes que passou nesse último Fantaspoa: O Traficante de Sono (Sleep Dealer).

Ele já veio com uma boa bagagem, premiado em Sundance e tudo o mais. Assistindo o trailer para o meu deleite reconheci a voz do David Hayter, eterno Solid Snake, como o narrador.

O filme só peca em algumas cenas com efeitos digitais que são desnecessárias e ficaram mal feitas, atrapalhando a fruição do negócio. Mas é só isso, todo o resto do filme é ótimo.

A direção e roteiro do novato Alex Rivera, co-escrito com o também novato David Riker, são muito criativos. Em um futuro não muito distante, a mão de obra de países de 3º mundo é usada à distância através de robôs controlados pelos pensamentos dos trabalhadores. Os mexicanos são os operários em destaque nessas "fábricas" em que eles "traficam seu sono" em troca de um salário mirrado. Como diz um dos donos de uma fábrica: "Os americanos conseguiram tudo o que queriam. Ter nossa força de trabalho sem precisar ter que nos aguentar por perto."

Com implantes neurais no braço, feitos muitas vezes de forma ilegal, eles tiram um sustento. É dessa forma que vive o protagonista, Memo (provavelmente de memória ou meme, mas o filme nunca explicita o porque desse nome). E daí começa todo o negócio.

O interessante é que o filme vai mostrando outras profissões ligadas aos implantes neurais, como a de uma escritora que faz upload de suas memórias visuais e as narra, pra vender depois na internet. E só melhora, o desenvolvimento da história é bem feito e amarrado, com algumas reviravoltas inclusive.

A fotografia é linda, desde as áridas planícies infinitas do deserto mexicano, as cidades superlotadas e também os locais de trabalho dos robôs, sequênciais sabiamente feitas completamente no computador, de forma que os robôs digitais não destoam de um cenário real.

As atuações dos protagonistas Luis Fernando Peña e da Leonor Paz convencem muito bem, acompanhados da direção sem muitas firulas. É um filme bem redondinho e que como toda boa distopia usa de um pouco de imaginação futuróloga pra travestir um tema social atual e assim deixar a discussão desse assunto mais interessante (como também é o caso de menos brilhante Distrito 9, que usa um conflito entre humanos e aliens como metáfora do racismo).

Espero que ele venha a entrar no circuito nacional de cinema, mas em DVD vai sair certo. Confiram!

Glauber Rocha não morreu, olê, olê, olá!

Glauber Rocha vive. Essa é a impressão que me ficou quando terminou "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo". Quando eu pensei que o pessoalzinho "canal Brasil" iria um dia deixar de lado essas coisas ruins do passado, volta uma dupla de "artistas" que acha muito interessante filmar cenas cotidianas, no sertão nordestino, câmera na mão, baixíssima qualidade da imagem (e do som da narração). E nem adianta me dizer que é licensa poética que se enquandra dentro de uma proposta. É uma bela probosta, isso sim. Estetizar a tosquice e "mal-feitiçe" de uma obra audiovisual e achar que está fazendo algo bom é no mínimo um paradoxo. Paradoxo que os amigos da Petrobrás seguem acreditando piamente.

Em dado momento do filme eu olhei para as pessoas ao redor na sala de cinema, todos bocejando, mas se esforçando muito pra curtir o programinha artístico e intelequitual do sábado de tarde chuvoso. Acho que se as 20 e tantas pessoas que estavam lá pagassem meia entrada, ainda assim custeava toda a produção desse mamute cinematográfico. É uma câmera, um narrador. E nenhuma ideia na cabeça. Ah, e as tais viagens de um ponto do cú do mundo ao outro ponto do cú do mundo. Tudo feito por uma fotógrafa que tem sérios problemas de miopia, mas ninguém diagnosticou até hoje. Imagem travada e tremida, mas tremida e esticada afú. Pelo menos é o que parece tal qual a captação precária da imagem. E quase dá pra ver os pixels. Imagem sempre granulada. E como eles gostam de slow-motion travado...

O filme nunca se decide se quer ser um documentário ou ficção, e isso não me parece "vanguarda" ou "quebra de paradigmas". Tudo parece que foi feito completamente por acaso. Os caras tem a ideia de fazer um filme bem barato e chinelão sobre um geólogo tedioso e sua viagem tediosa durante um trabalho no interior do sertão nordestino. E deixaram a câmera ligada captando imagens cotidianas, do movimento da estrada (que é bem pouco), de um posto (da Petrobras, claro), de um restaurante de beira de estrada, de uma procissão religiosa, etc. Ah, e tudo intercalado por várias fotos. Fotos também de péssima qualidade. Isso tudo sem o protagonista nunca aparecer (das poucas decisões da direção que eu achei interessante, mas enfim...)

Lindo, não?

As pessoas que aparecem (boa parte também através de fotos) e suas histórias são narradas pelo protagonista. Só uma vez dão a chance a uma prostituta de poder falar com a câmera. E um tiozinho que faz sapatos e canta músicas românticas-brega (e ele fica cantando a música inteira, filmado em um plano parado). Eis aí mais um momento em que os realizadores (me recuso a chamar essa gente de cineastas) não sabiam o que fazer e deixaram uma entrevista documental no meio do filme, enquanto todo o resto dele isso forçadamente não acontece.

Vamos falar de coisas boas? Quase não tem, mas posso elogiar a música. Ela é bem experimental, intercalada por grandes sucessos de música-brega-nordestina-feita-para-caminhoneiros. Mas o clima que ela (tenta) criar só não é alcançado pela direção cheia de poesia visual que cheira à coliformes fecais. Sozinha, ela até funciona pra dar sensação de deslocamente e agonia.

Bom, era só isso de bom mesmo. O resto é sofrível. O título nem se justifica, que o protagonista fica se lamuriando sobre a distância de sua amada usando um gravador de bolso de 1970 enquanto vai traçando uma bela quantidade de putas pobres com alguns dentes faltando no rosto. Volto porque te amo? Acho que durante o filme todo eu queria sair do cinema porque eu me amo, pelo menos o suficiente pra não querer passar por mais uma tortura audiovisual depois de ter insistido uma vez em assistir Terra em Transe até o final.

De boa, era melhor eles terem feito um documentário. Pelo menos ainda menos gente iria no cinema pra ver esse tipo de filme que ao meu ver é inútil e ineficaz em todos os sentidos e suas probostas. Palmas aos festivais de cinema brasileiro que deram louvores e premiações pra essa sucata!




Vocês também não tem a impressão que tem mais festivais e premiações de filmes brasileiros do que filmes brasileiros que entram em cartaz por ano?

terça-feira, 20 de julho de 2010

A 8ª maravilha do mundo


Vamos começar pela premissa do filme, que é nisso que ele é forte. Um grupo de pessoas de diversos países, cansados de verem injustiças no mundo e se sentindo pouco representados pelos seus representantes decidem formar uma espécie de país virtual. Qualquer pessoa de qualquer lugar pode ganhar a nacionalidade desse país, desde que respeite sua constituição, que foi feita à la wikipedia, com cada membro ajudando um tanto e sugerindo leis. Além disso, à cada nova semana é votado um referendo com uma ação real atrelada a uma causa que o país acha interessante defender. Ações como protestar contra a pena de morte em uma passeata irônica que pede pela morte do peru de dia de ação de graças que recebe o perdão presidencial nos EUA. Ou espalhar mensagens estilo "Jesus breve voltará" por todo o Vaticano, acompanhadas de camisinhas. O nome de país é 8th Wonderland.


A medida que as ações ganham publicidade espontânea na grande mídia, o grupo começa a ter discussões internas sobre o quanto eles querem se expor, correndo riscos de serem descobertos pelas autoridades. E as discussões progressivamente aumentam na proporção que as ações ficam mais complexas, perigosas e polêmicas. Chega-se ao ponto de que uma ação aprovada pelo 8th Wonderland é moralmente contraditória às ações passadas. Dessa forma, o filme discute a formação de um grupo político e suas implicações em direção ao radicalismo e aos membros contrários as mudanças do grupo.

Todos os diálogos dos membros do 8th Wonderlanda ocorrem numa espécie de videoconferência. O filme dá destaque para um certo grupo específico, composto por americanos, britânicos, um casal italiano, uma garota afegã, um senegalense, um francês, um latino (não lembro se o cara era do Uruguai ou não) e alguns outros. Nessas "assembléias" todos falam inglês de forma a se entenderem mais facilmente. Quando o filme mostra a vida pessoal de cada um, os personagens falam sua língua local, elemento que eu elogio bastante.

Nessas passagens a imagem deles aparece em uma tela, de frente para as telas do outros, em forma de círculo e um sala branca de fundo infinito. A câmera vai passeando de uma tela até outra à medida que os diálogos se desenvolvem. O recurso é funcional, mas como o filme se baseia muito em diálogos, pode cansar um tanto.

O filme é intercalado de vários telejornais de vários países, que discutem o que é o grupo, as suas ações, defendem ou desvirtuam, dão destaque ou não. Assim como nas histórias pessoais de cada membro da 8th Wonderland, os telejornais respeitam o estilo e linjguagem locais. Seguem-se discussões sobre o papel dos meios de comunicação e as suas agendas. Afinal, de que adianta uma ação que ganha destaque num dia e no outro o interessa da mídia e do seu público muda para qual o nome do cachorro do Obama?

Todas ações do grupo são bem interessantes e poem à mostra as muitas influências da globalização na vida contemporânea. Se as multinacionais são muitas vezes inescrupulosas, os mesmos meios de comunicação e transporte que possibilitam sua existência também fez possível a criação da 8th Wonderland.

O filme segue uma linha de suspense político, com uns toque de humor, às vezes bons às vezes na forma de um alívio cômico barato. A produção do filme enfatiza uma certa simplicidade, que chega ao nível do explicitamente tosco em certos momentos. Ser completamente sério e bem feito não era o foco, e provavelmente estava além do orçamento do filme, então a decisão por ter passagens visivelmente simples ou mal feitas fica até mais apropriado. O problema é quando isso começa a minar o roteiro. Algo parecido com "Um Dia Sem Mexicanos", só que esse pode pode ser tosco porque ele se propôs a ser mais escrachado.

As cenas toscas começam a se refletir numa certa ingenuidade da história no geral. As ações são por deveras complicadas e dão certo demais (falir uma multinacional com uma campanha de conscientização e com sabotagem, por exemplo), os membros da 8th Wonderland se veem seguros na internet porque um deles é um agente da CIA (duvido muito que a Agência contrataria alguém com alguma dúvida de lealdade, fora um espião que não teria interesse em trabalhar com idealistas) e sobretudo o happy ending nem um pouco convincente.

Dá pra perdoar os exageros porque pelo menos as propostas e discussões do filme são bem interessantes, mas faltou um pouco mais de polimento. Assistam sem muito medo:

http://www.youtube.com/watch?v=kbiHOii4Ag0

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ferroada pouco espirituosa




Stingray Sam é uma mistureba de comédia com faroeste com ficção científica com musical. Sim, isso é possível, mas não quer dizer que funcione. Como título experimental até rola de boa, não é nenhuma grande masturbação teórica ou tentativa pretensiosa de obliteração da linguagem típica do cinema em detrimento de substituí-la por alguma outra coisa, mas ainda sim torra um pouco o saco.

Ele realmente tem momentos engraçados, principalmente o lance de uma cena normal se interromper para os personagens explicarem alguma coisa cantando, mas nem sempre que tem um número músical que presta. Já outros, como no momento "Let's have a party, everybody, go retarded!" tem letras muito massa que colaboram.

Ah, esqueci de mais um detalhe: o filme é em preto e branco. Parece ainda mais "quero fazer arte", mas o resultado é bem feito e ajuda o filme na sua estética principal. A estética no caso é tanto fazer o filme parecer algo futurista e velho. Um retro-futurismo. Algo como um seriado de ficção científica, concebido nos anos 50, se passando nos anos 2000 com naves interplanetárias que mais parecem o submarino amarelo dos Beatles. Tudo feito da maneira mais aparentemente tosca. Bom, acho que deu pra entender.

O preto e branco, os efeitos toscos, objetos futurísticos feitos com papel alumínio e isopor e personagens vestidos de cowboys, tudo ajuda nesse lance de ser velho e novo ao mesmo tempo. Junte à isso explicações sociológicas e científicas desse mundo intergalático e avançado apresentadas em sequências feitas com colagens no melhor estilo "clipe do Franz Ferdinand" (http://www.youtube.com/watch?v=LzPplBE75tQ) e tem-se a mistura.

Já a história é chatinha, com algumas canções boas e outras chatinhas no meio, e com uma simulação de que a pessoa está assistindo uma mini-série ao invés de um filme.
O cantor de saloon e ex-presidiário Stingray Sam se encontra com seu antigo parceiro e também ex-presidiário, Quasar Kid, para completar a missão de encontrar e resgatar uma garota sequestrada em um planeta que só tem homens que engravidam artificialmente combinando DNA's entre eles.
Tudo tem somente 1 hora de duração e ainda por cima dividido em 6 episódios, um depois do outro. Só que cada vez que acaba um "episódio" surgem os créditos finais. Depois os créditos iniciais do próximo surgem e é assim até o final. É uma perda de tempo e pura chatice.
Enfim, tem seus momentos bacanas, mas tentou juntar coisas demais sem dar a devida atenção a cada uma delas individualmente. Faltou polimento e é de longe o filme mais fraco que eu assisti no Fantaspoa desse ano.


No youtube achei os 2 primeiros episódios:
http://www.youtube.com/watch?v=4S4N0lthxmU&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=CIxixu_syqM&feature=related

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um pouco do meu DNA memético

Tudo começou com Jurassic Park. Só a possibilidade de ver dinossauros gigantescos caminhando era algo completamente fantástico. A questão da “fábrica de sonhos” e da “magia do cinema” começaram a se cristalizar a partir daquele momento em que se revelava um “pescoçudo” de 33 metros da altura se alimentando de eucaliptos. Pois bem, ali se plantou a sementinha do mal, mas ainda não no sentido completamente compreendido como uma paixão pelo audiovisual ficcional. Foi mais uma paixão pelo que ele mostrou, à época, que eram criaturas das quais só se tinha noção em fotos de fósseis e se imaginava como teriam vivido, andado, se alimentado, etc. Só alguns anos atrás que percebi como foi ali que, perdoando qualquer conotação homossexual, Steven Spielbergh me fez perder meu cabaço cinematográfico. Ainda assim, eu era mais um aspirante à paleontólogo do que cineasta.
Após essa nossa primeira vez, só podia esperar por mais. E essa veio, mas não diretamente desse judeu queridinho de Hollywood sentado na sua cadeira com os dizeres “Director” atrás, e sim de uma “mera” produção executiva. E essa produção executiva era o MIB. E olha que, mesmo não tendo nenhuma autoria sobre a obra, esse filme tem mais um dos temas recorrentes de Spielbergh, além de velociraptors ou tubarões, que são os alienígenas. Como a propaganda da Globo dizia com muita alegria “de Steven Spielbergh”, pra mim não teve erro, fui ver bem alegre. E ainda por muito tempo achei que era tudo saído daquela cabeça nerd com um boné do ET. E sim, ET’s foi o outro elemento fantástico que me fascinou. Ok, o Will Smith era engraçado o filme inteiro e chamava o ET vilão de “baratão”, mas a falta de seriedade (em relação ao Jurassic Park) não chegou a afetar a credibilidade, por assim dizer. Aliás, foi até pior do que os dinossauros. Veja bem, uma coisa é uma criança esperar por um futuro próximo onde cientistas conseguiriam clonar dinossauros e fazer um parque temático (algo que sigo esperando), outra coisas é a possibilidade de vida fora do planeta Terra estar infiltrada entre nós. Cara, isso é outro nível! Conspiração o suficiente pra abismar qualquer infante. Os alienígenas estavam entre nós, sem dúvida.
Toda essa paranóia só se agravou com o desenho. Aliás, pra ser bem sincero, não lembro até hoje se assisti primeiro ao desenho no Cartoon Network, ou ao filme que o Steven produziu. Mesmo com todo o lance da propaganda da Globo ecoando no meu cérebro e me atraindo para ver uma outra obra supostamente do mesmo cara que mostrou dinos “reais”, não descarto a possibilidade de que o meu vício infantil (TV ligada no Cartoon Network todo dia) pode ter-me feito assistir ao desenho primeiro. Porque mais forte que a propaganda da Globo ecoando, é a lembrança de quando descobri que o desenho foi feito depois do filme, o que sempre achei o oposto. Então, sigo com essa dúvida amargando minha consciência.
Pois bem, o desenho. E que desenho! Ele era muito mais sombrio, apavorante e paranóico que o filme! Filme que era pra “gente grande” também ver e que tem gente real. Desenho, que é pra criança sem discernimento do mundo, era muito mais crível que o filme, que era pura comédia escrachada. Nada pior que cada episódio o narrador enunciar:
- MIB, Homens de Preto. Episódio de hoje: “A síndrome de ...”

Caralho! Que diabos é o significado de “síndrome”!? Como uma criança feliz vai saber isso? Então, talvez já vem daí o meu futuro apreço pela loucura e afins. Esse desenho me gerou, com certeza, uma síndrome.
Para piorar ainda mais a situação, logo veio um “genérico” do desenho do MIB, “Os Mixtérios de Roswell” (com aquele “x” porque o locutor não escondia seu carioquês). Bom, aí fudeu tudo. Aliens não só existiam como eram as origens de todos outros relatos míticos, como bruxas, lobisomens, zumbis... O estrago estava feito. Benzadeus que na época eu não tive contato com Arquivo X, se não estava cursando jornalismo pra escrever pra revista UFO (será que realmente precisa de diploma pra escrever nela?)
Os filmes de et’s de Spielbergh, que propriamente o lançaram como o “diretor alienígena”, Contatos Imediatos de 3º Grau e ET, só fui ver muito depois. Mas enfim, Steven Spielbergh era o primeiro nome de cineasta que meu cérebro wikipédico armazenou na memória. Alguns anos depois, toda a febre pelo sujeito voltaria de maneira gloriosa, dessa vez sem ET’s nem brontosauros, mas com uma história muito mais real. Tão real que, pelo menos o seu cenário, era real. Ou melhor, foi real. Falo-lhes da 2ª Guerra Mundial e como Hollywood foi para o combate (e voltou a fazer um filme de guerra que chama se a atenção do mundo) com O Resgate do Soldado Ryan. A febre foi tão grande, mas paradoxalmente foi o último título a filmografia Spielberghiana que me chamou a atenção e também o título que me fez de certa forma desgostá-lo anos depois.
Eu e meus amigos nerds tínhamos encontrado outro tópico de discussão que não fossem extra-terrestres, (não posso me esquecer que na época que vi O Resgate do Soldado Ryan foi anos depois do lançamento no cinema, até porque em 98 eu não tinha nem a pau idade pra poder ver tripas estendidas nas areias de Omaha Beach) até porque “Sinais” era o filme do momento (aliás, meu filme favorito com aliens). Agora poderíamos falar de assuntos realmente relevantes como História e Política (lá se vai a paleontologia e a biologia). Como na época do MIB, outros elementos se agregaram para aumentar ainda mais o meu zietgeist pessoal do momento: era o jogo Medal of Honor. Eu podia ser completamente descordenado tentando dar tiros com uma Mosin Nagant com um mouse, mas foi com certeza uma experiência sem iguais. Enquanto a febre das lan-houses se inicia com os nerds mais patéticos jogando RPGS e a pirralhada genericamente chata matando a si mesma no Couter-Strike (“Que jogo imbecil” era meu pensamento na época) nós nos deliciávamos com as tecnologias arcaicas dos anos 40 e com a atmosfera de tragédia humana que pairava nas eternas nuvens cinzas dos cenários do jogo.
Mais adianta, haveria mais uma pedra no meio desse rio que viria a ser tornar o rival de Medal of Honor nos jogos de tiros de primeira pessoa, chamado Call of Duty. Naquele momento, não só eu e meus comparsas nos inclinávamos menos ao lado dos americanos quanto deveríamos estar inclinados (seria uma raiva em relação a Guerra do Iraque que se iniciava? E ainda assim, a guerra americana contra os nazistas nós apoiávamos...), aí me vem esse jogo muito mais elaborado e de proporções épicas que coloca o jogador na visão não só de um soldado americano, como de um britânico (“Hmmm, parecem mais boa gente”) e de um russo (“Caralho! Esses caras são muito fodidos e fodas!”). O brilho do Dia D começava a se desgastar em relação à heróica resistência russa em Stalingrado. O meu filme de segunda guerra favorito passava a ser Círculo de Fogo. Antes a suástica e a águia pareciam um símbolo assustador de poder, mas agora encontrava na foice e no martelo numa bandeira vermelho sangue um símbolo de força que não fez campos de concentração para incinerar corpos de narigudos do clã Spielbergh. E com a minha professora de geografia falando que no comunismo todo mundo ganharia pelo menos um casaco, poxa, aqueles barbudos bigodudos devem ser muito legais.
Como Winston Churchill (que entre todos líderes da 2ª Guerra acabou prevalecendo para mim até hoje como o melhor ou “menos pior”) dizia “Quem não foi comunista até antes dos 20 anos não tem coração.” Que foi o meu caso. Depois eu entendi a segunda parte da citação que seguia com “E quem segue sendo comunista depois dos 30 não tem cérebro.” É, depois de ler 1984, meu livro favorito, no fim do 1º ano do ensino médio, já dá pra desmistificar vários elementos da utopia comunista. Acho que desde então que eu e o Cazuza estamos procurando uma ideologia pra viver. E não é Marina Silva que me convence de ser um verde.
O que me fica muito dessa época é o interesse em política, história e videogames. A parte de história e política ainda se repetiria na imersão em mais um filme da época, analisando outro Reich, mas aquele controlado por Júlio César. “Gladiador” foi outro marco importante, de forma que mesmo podendo hoje observar todos os exageros e erros históricos típicos dos épicos, não posso deixar de amar O Último Samurai ou God of War.
Voltando ao fator cinema, sem esquecer a política, e ainda por cima juntando dessa vez a biologia, co-irmã da paleontologia dos dinos, vou a uma das maiores influências minhas até hoje. Antes de 1984, antes de me tornar um cinéfilo. Falo de mais um videogame (sim, minha nerdice é incurável), a obra-prima definitiva que mudou tudo: Metal Gear Solid. Talvez o mais próximo de um filme interativo. Mesmo com seus personagens gimmick e kitsch ao estilo quadrinhos, desenho animado e filmes b exploitation, era o mais impressionante roteiro que eu já tinha visto se desenrolar diante dos olhos (e em alguns momentos com o controle na mão efetivamente fazendo alguma coisa). Cara, o jogo tem mais tempo de animações e diálogos de rádio do que um épico de 2hrs40min.
Nunca mais me sai da cabeça as diferentes frases e expressões de cada personagem. As dublagens, mais afudês que muitas atuações por aí, constantemente me afloram e me fazem repetir falas com imitações melhores do que as de Sílvio Santos. E o mais curioso foi que Hideo Kojima, o primeiro nome de um criador de um jogo que tornou-se popular, me ensinou mais sobre cinema do que eu conseguia entender assistindo um filme. Já que os elementos narrativos, lingüísticos e estéticos do cinema estavam se apresentando em outro meio, ficaram mais fáceis de se delinear. Sou eternamente grato a esse sujeito. Mudou meu jeito de ver a vida humana inteira, graças a quantidade de Teoria do Gene Egoísta que ele carregava e explicitava. Se eu já tinha uma mente meio de biólogo desde Jurassic Park, aqui dói a aplicação filosófica à vida em geral. Com tantas teorias e conspirações governamentais, criando em mim um senso crítico em relação a quase tudo que carrego até hoje, e juntamente com a linguagem cinematográfica aplicada a uma obra audiovisual interativa digital, os memes do meu cérebro nunca mais foram os mesmos (e se eu estou usando a palavra meme é por causa das ideias e teorias contidas no Metal Gear Solid 2 Sons of Liberty).
O vício chegou a estender-se até a marca de cigarro que eu fumava (“Só Lucky Strikes, porque é o que o Snake fuma no Metal Gear 2 do MSX”) até ano passado. E sabem do pior? Ainda não joguei o Metal Gear Solid 4. Quando terminá-lo 3 vezes fazendo tudo, posso morrer feliz.


Ainda tem Quentin Tarantino e como usar referências de filme ruins pra fazer um filme verossímel e bom (e influenciando todo um respeito pelos exploitation e principalmente os Spaghetti Western e filmes de gênero italiano e criando outro culto, que se chama Clint Eastwod {junto com Solid Snake e Jack Bauer, o exemplo de macho alpha que inconscientemente todo homem precisa}) e toda a cinefilia que tomaria conta de mim definitivamente a partir do 1º ano do ensino médio, 24 Horas com o seu agente do governo em uma trama tensa (ecos de Solid Snake), Lost e sua ficção científica (com um final nem tão científica assim) ampliando horizontes de cenário (sem futurismo ou cenário urbano) e de nível dramático (sim o final é ruim, mas chorei bastante na hora do adeus), e até o recente The Office (me alegra muito na vida e é um reflexo do cotidiano muito bem feito, com personagens que me identifico (trama amoroso de Jim e Pam) e outros que fazem coisas ruins, mas sem querer e que às vezes fazem o bem, além de muita sinceridade: “Eu não quero um puxa-saco que seja assim porque pode ascender na vida dessa forma, eu quero um puxa-saco que seja assim por realmente me amar.” Enfim, um reflexo da vida, do jeito das pessoas e como temos que aturá-las com seus jeitos e também um reflexo das contradições da vida.)

Sei lá, usei muitos parênteses e quero sair do PC agora. Outro dia me aprofundo mais e segui para o próximo capítulo de minhas memórias meméticas. Vou assistir Navajo Joe agora.

sábado, 10 de julho de 2010

Assentos espaçados

A solidão é um estado de não conexão com outros indivíduos, que em contra partida cria outras conexões, todas com um grau maior ou menor de ridículo e obssessão. Depois de passar um tempo em silêncio em uma sala escura e mesmo depois de acabada a sessão, ficar sem trocar muitas palavras com as pessoas ao redor, o que se quer? Ficar mais tempo em silêncio, sozinho, deixando a película de prata iluminada danificar mais um pouco a córnea ocular.

Enquanto isso, tento me acalentar de alguma forma com as músicas lindas e tristinhas do lado b do Abbey Road.

O sanguessuga e o primata




Ainda dentro do Fantaspoa, teve um dia que encarei uma sessão dupla: "Strigoi", um filme britânico ambientado no interior da Romênia, e "O Garoto Macaco", filme italiano que era para ter contato com a participação do diretor e do diretor de fotografia. Pena que eles não puderam comparecer, pois os dois influenciam muito na maneira que a história é contada.

Strigoi não só se passa na Romênia, mas é um grande parte um filme romeno. Quem assistiu já "Casamento Silencioso" vai entender. Não dá pra chamar de um movimento cinematográfico, mas naquele país se fazem filmes que são o equivalente do realismo fantástico literário nas telas.
De início acompanhamos um jovem do vilarejo investigando a morte de um velho do local, fato que aparentemente causou mais alegria do que lamentação na população local. O protagonista quer saber o porquê e assim segue uma trama de suspense com tons humorísticos constantes. Humor muitas vezes absurdo e surreal, e aí que há boa parte da graça. Depois que se descobre o que é o Strigoi do título, o lance começa cada vez mais a pender para o realismo fantástico e sobrenatural, mas tudo se desenvolve no seu tempo e de forma que não é uma reviravolta barata.
O único problema do longa é que justamente para ter uma progressão não óbvia, a investigação acaba meio arrastada demais. Depois de certo ponto a platéia já abraçou a ideia do título do filme enquanto que o só o protagonista insiste em ser cético (e portanto, chato). Não acontece o lance de o roteiro estar sempre a frente dos espectadores. Ainda assim, nada que coloque o filme abaixo do nível de bom.
As músicas, como em um bom filme romeno, é fantástica, cheia de temas cativantes com instrumentação típica e inclusive umas 3 canções do Beirut, o que casa muito bem com leste europeu.

http://www.youtube.com/watch?v=_tmxa8NZN3Y


Já a segunda parte da sessão dupla foi foda em todos os sentidos. Se Strigoi prezou por ser seguro e sucinto em seus modos de produção, fora uma câmera lenta aqui e ali junto com a trilha balcãnica, em O Garoto Macaco tudo foi pensado com um conceito a ajudar a contar a história.
Direção sempre com planos subjetivos e muito próximos, cortes rápidos, uma fotografia barroca(muitas áreas de sombra e alguns focos de luz), roteiro fragmentado em capítulos que vão e voltam na ordem cronológica (contando a história de cada personagem envolvido), música envolvente que casa perfeitamente com o clima.

Com uma abertura em animação linda, contando um conto de fadas um tanto sombrio, segue-se uma história fantástica com só o essencial sendo dialogado, que de resto as imagens dão conta de contar. E a história se conta perfeitamente.
O problema é que tudo que o roteiro não precisou de muito diálogo entre os personagens pra se desenvolver, ao longo do filme a narração inicial do conto de fadas acaba sendo evocada vezes demais pra explicar analogias entre o conto e os acontecimentos reais, de forma que cansa o público que já entendeu.

Tanto no conto de fadas como na realidade do filme temos uma menina e seu pai. O grande problema é que a garota sofre de um alto nível de autismo, vindo de eventos que depois são revelados (na forma de uma memória que mais parece uma cena de teatro, muito afudê) e não se comunica de forma alguma com o pai. E um dia, a garota se encontra com o tal ser do título do filme e ambos passam a ter uma conexão nas suas excentricidades. Falar mais que isso estraga. Os eventos se desenrolam de forma que escapa ao controle de qualquer um dos envolvidos, tudo devido às incompreensões de uns personagens com os outros.

Só digo que tudo é muito bem feito nessa versão diferenciada, sombria e complexa de A Bela e a Fera, como disse o diretor Antonio Monti no vídeo depoimento antes do filme. Confiram:

http://www.youtube.com/watch?v=Fxo03IdCzZ8&feature=player_embedded

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Uma noite fantástica por um mundinho fantástico





Acabo de voltar do Santander Cultural, onde rolava uma sessão de um filme parte da VI edição do Fantaspoa - Festival Intenacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre. Pra quem não tem a mínima ideia do que é isso, a parte do "Fantástico" se refere à filmes de conteúdo fantasioso e pura ficção. Ficção todo filme é, mas nesse caso é algo realmente extrapolante. A grande maioria das películas em exibição até domingo dia 18/07 são obras de terror, suspense, ficção cietífica, fantasias quase surreais ou coisa parecida.

Quem quer saber mais e ver a programação, http://www.fantaspoa.com/2010/index.php



Agora vamos à tal sessão. Devo dizer que foi a primeira da história do festival que eu fui e também a primeira vez que vou ver um filme no Santander Cultural. À primeira vista, já me surpreendi pelo ambiente mais "bem acabado" e pela quantidade de cadeiras. Geralmente esses cinemas de "filme arte" e etcs são pequenos, de espaço ruim e qualidade da imagem e som ruins. Não é o caso aqui, que tinha um número de assentos maior e a projeção do filme, feita direta de DVD, estava muito boa.
Outro detalhe, não só me surpreendi com quantos assentos tinha como também com a quantidade de gente que foi. Na boa, não esperava quase ninguém e vi uma boa quantidade de gente disposta a ir num cinema fora de uma shopping, menor e com filmes mais do lado B, numa quarta-feira à noite.

O filme da vez era "Uma Noite na Cidade", de título original e impronunciável em tcheco. A direção e co-roteirização é do Jan Balej, que escreveu o filme junto do Ivan Arsenjev. Produção de Viktor Mayer, música de Tadeas Vercak, design de som do Zbynek Mader e fotografia de Miloslav Spála.


Citei os nomes de todos esses envolvidos não só porque consta no site do festival, mas porque todas essas partes do todo foram feitas com maestria. Música, fotografia, direção de arte, direção, efeitos sonoros e o roteiro, todos casam perfeitos entre si para contar a história de forma magnífica. Claro, a direção de arte do mini-mundo dos bonecos animados, as suas animaçãoes e o roteiro merecem um destaque à mais. Porra, é impressionante a criatividade das diferentes situações e personagens do longa. Mesmo ele sendo separado em três segmentos que pouco tem a ver um com o outro, fora o estilo, narrativa e estética, é um filme perfeitamente apreciado por uma criança de 5 anos e um senior aposentado.


A história é dividade entre 3 partes, a 1ª e a 3ª compreendendo personagens que se cruzam de longe entre si e a 2ª parte, a mais surreal de todas, composta por dois personagens muito bem construídos e peculiares. Tanta desconexão não chega a incomodar, pois a cada momento focamos numa história que é interessante e dá variedade à obra. Se trata de uma animação em stop-motion (aquela da Fuga das Galinhas e Estranho Mundo de Jack, com bonequinhos que são milimétricamente mexidos e fotografados a cada mexida para no fim eles parecerem terem vida própria). Os bonecos eu acho que são de madeira com peças articulas, com formas bem caricatas e engraçadas. Destaque pra um gato feito com latão (igual aos de assar churrasquinho de gato, hehehe) e o rosto é só uma parte de uma fotografia de uma pin-up.

Não quero estragar nada, porque todas histórias são muito inusitadas e fodásticamente criativas. O máximo que posso falar é como boa parte das histórias lida com as loucuras e bizarrieces humanas de forma muito cômica e interessante.

O outro grande lance e certo diferencial do filme é que ele simplesmente não tem diálogo. Porém, ele está longe de ser um filme mudo. Os personagens até dialogam, mas são somente grunhidos enrolados que não formam língua nenhuma (por mais que a língua tcheca deva ser estranho pra cacete). Dessa forma, mesmo sendo da República Tcheca, é perfeitamente inteligível para qualquer um.
O ponto importante do filme e sua sonoridade são os efeitos sonoros. Eles dão toda a vida para as ações dos personagens, tornando aqueles bonecos inanimados em seres mais próximos de possuir carne e osso. Some aí a música fantástica e se tem algo que daria pra imaginar Chaplin fazendo hoje, se estivesse vivo.

Todos esses elementos curiosos não fazem de Uma Noite na Cidade uma punheta de "arte pela arte" ou algo pretensioso demais. Sim, eu não sei se vi coisa parecida, portanto ele sem dúvidas é inovador. Mas mais do que isso, a capacidade de manter o público atento às diferentes histórias surreais é o arroz-com-feijão do filme. Posso exagerar no lance de criança de 5 anos, que não entenderá algumas insinuações sexuais e podem se traumatizar com a única cena com sangue(só que é sangue de massinha de modelar!) do filme, mas boa parte é compreensível pelas mais diversas pessoas em diferentes idades e divertindo-as na mesma proporção.

Realmente, é fantástico.