quinta-feira, 3 de junho de 2010

Escritos ao vento




Um sorriso sacana surgiu no meu rosto quando eu coloquei os olhos sobre o cartaz de papelão do filme O Escritor Fantasma. Na parte de cima estava escrito "Do polêmico diretor Roman Polanski". Hehe, polêmico pelos filmes ele pode ser, mas os marketeiros não escolheram hora pior pra designar esse adjetivo para esse polaco fugido. Até porque, Polanski terminou de editar o filme em casa, já que estava preso pelo suposto crime de "embebedação de menor e sexo logo em seguida".
Que ele fez, é bem provável, mas a própria ex-menor (o crime data dos anos 70) fala que não houve nada. Ela pode estar encobrindo e admitir um estupro é algo muito mais complicado do que o óbvio. Há inúmeros casos de mulheres que retiram a queixa contra o estuprador mesmo ele tendo realmente violentado-as. Dito isso, acho que a grande questão é que o acontecimento caducou há muito e não é uma prisão domiciliar que fará Roman ter mais culpa da consciência do que ele pode ter.

Dito isso, vamos ao que interessa: o filme. Ele é muito calcado no roteiro , como todo suspense, e fora o início meio truncado e silencioso, a trama inteira é conduzido de maneira excelente de forma a criar uma atmosfera tensa e paranóica. Fotografia escura e pálida ajudou muito + direção precisa + atuações fodas.

A história toda é uma crítica indireta ao governo do Tony Blair. O tal escritor-fantasma (Ewan McGregor) se envolve numa trama de intrigas muito maior do que ele poderia esperar quando é contratado para escrever as memórias de um ex-primeiro ministra britânico (o bom 007, Pierce Brosnam).

O roteiro (baseado no livro The Ghost, de Robert Harris, e adaptado por Polanski e Harris)se sustenta muito em alguns poucos personagens. Dessa forma, Polanski tirou o máximo do Ewan McGregor (melhor atuação dele que eu assisti)e da mulher do primeiro-ministro, Olivia Williams (esposa do Bruce Willis no Sexto Sentido). Ao invés de ir num caminho óbvio de mostrar muito uma relação entre o primeiro-ministro e o escritor, esse último acaba mais em contato com a primeira-dama, que nunca se sabe se defende o marido ou está contra ele. Além deles, há o sempre ótimo Tom Wilkinson como destaque. O caminho vai gradativamente ficando tortuoso e claustrofóbico.

Música à moda antiga muito boa do Alexander Desplat (novo nome da trilha sonora mundial, só nesse último Oscar tinham 4 filmes com trilha dele - Julie & Julia, O Fantástico Senhor Raposo, Um Profeta e Coco Antes de Chanel) e utilizada de maneira econômica. Há vários segmentos de diálogo sem música nenhuma, o que acaba sendo muito bom e não cria aquela poluição sonora que muitos suspenses políticos possuem. Um certo minimalismo muito bem aplicado.

É um filme político, que traça um retrato dos jogos do poder atual. De certa forma, é o dito fim do partidarismo, já que o Partido Trabalhista britânico, assim como o PT aqui no Brasil, mostram como jogam o mesmo jogo sujo dos outros que eles cirticam.
Seguindo nessa de que os opostos tem mais em comum do que aparentam, dou destaque pra uma parte muito boa filme:

O primeiro-ministro vai ser julgado por uma comissão internacional de direitos humanos e pergunta pros seus assessores o que ele pode fazer. Nisso eles respondem:

- Podemos permanecer aqui nos EUA, que não aprova a comissão internacional e assim não pode ser investigada.

- E que outras opções temos? Que outros países não seguem também?

- Ah, tem uns na África, tem a Indonésia, China, Coréia do Norte, Irã e Iraque.

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E pra encerrar, há outra passagem do filme muito boa, em que se auto-ironiza o papel social de mudança do próprio filme. O escritor, meio sem saída, fala para um investigador:

- Tu sabe muito bem que estamos nos esforçando muito e colocando nossos pescoços à prêmio, sendo que tudo vai acabar em pizza e ele vai ter uma aposentadoria confortável da CIA?


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Pois é, um filme não muda o mundo, mas pode mudar e influenciar algumas coisas menores, mas não menos importantes. O poder de registro, ficcional e histórico, do audiovisual é que valem muito.

A luta continua!

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