sábado, 14 de agosto de 2010

A origem e o lugar onde ocorrem os conflitos humanos



















Deixem-me ser bem pedante e americanóide nesse momento. Estou completamente em cloud nine! Christopher Nolan did it again! Blowed my mind! Ainda estou incrédulo de como um filme como Iception sequer existe. Muito incrédulo. De todos os aspectos possíveis. Cenas sem gravidade, ok. Cenas de ação sem gravidade, ok também. Mas jamais, jamais imaginaria que alguém fosse criar e executar cenas de ação em que a gravidade do cenário muda de uma parede à outra. E nunca com essa competência. Jamais imaginei um filme com cenários tão bem estruturados, rompendo leis da física ou não. Cenários com um fundo de parede japa com uma ilustração e detalhe lindos. Jamais pensei em um filme com tanta atenção à absolutamente tudo. Direção de arte, fotografia, atuações, direção, montagem, música, roteiro. Enfim, acho que não mereçe nada menos que número um de todos os tempos na minha lista pessoal.

Me precipito? Talvez, até porque quero assistir o filme mais uma meia dúzia de vezes antes de sair do cinema. Ano passado foi duas vezes que o Tarantino me convenceu a ver Inglourious Basterds. Curiosamente, ambos filme tem títulos com palavras sem tradução. Destino? É Deus jogando seus dados? Não sei, só uma coincidência curiosa mesmo.

Um fim de semana depois, após assistir mais uma vez o filme, posso afirmar com certeza que Inception é o Matrix dessa era. Não o filme do ano, mas o dessa década. E um dos melhores filmes de todos os tempos. Avatar vai sofrer o mesmo desgaste que Titanic. Chamativo e revolucionário, mas falta muita liga. E na minha lista de filmes favoritos, por enquanto não vejo nenhum que supere Inception, somente uns poucos que estão à altura. O grande truque é que depois de eu chegar a essa constatação, estou muito empolgado pra assistir todos meus filmes favoritos de novo. Aí sim, poderei dar um veredicto final.

Agora vamos a um fato: Dark Knight, filme anterior do diretor/roteirista Christopher Nolan já foi uma das maiores bilheterias da história do cinema. E diga-se que uma das poucas com uma inteligência aliada à técnica (Stars Wars, Titanic... not so clever). Dark Knight foi um marco cultural. É o que está posicionado como 1º lugar no raking feito pelos usuários do IMDB. Boa parte dessas pessoas estavam ávidas pra ver o próximo filme do Nolan. E depois de Inception, o que essas pessoas viram? Cenas que causam um espanto que não se via desde Matrix, provavelmente. Roteiro tão confuso, deliciosamente viajante e complexo quanto Memento ou The Prestige, os filmes anteriores com o diretor e roteirista Christopher Nolan. Ou seja, Nolan juntou todas suas máximas em um só filme. Digo que ele é um dos melhores cineastas de renome dessa última década. E digo que essa é, até agora, sua magnus-opus.

Em termos de sensações, foi algo muito maior do que um 3-D de um Avatar da vida. Nunca perdi o fôlego como perdi assistindo esse filme. Nunca fiz pizzas no sovaco tão fedorentas. Nunca fiquei com as mãos tremendo no fim. Nunca deixei de sentir as pontas dos dedos. Nunca senti as artérias do meu estômago pulsando. Sim, to longe de ser alguém normal, mas essas coisas nunca tinham acontecido com esse cinéfilo aqui.

Um cineasta-mestre assim não vem do nada. Foram anos elaborando o roteiro. Escrito, até onde se sabe, completamente por Nolan. Quando o negócio começou a ficar complexo demais para ele arriscar fazê-lo, sabiamente Nolan aceitou projetos com maior certeza comercial e a mesma grandeza técnica, onde poderia se aprimorar. Daí já surgiram os baluartes como Batman Begins e Dark Knight.

Vamos ao roteiro e o conteúdo, que no fim, é o que interesse nos grandes filmes. Elogiar as cores bacanas da fotografia e da direção de arte é algo que eu adoro, mas é em grande parte um grande blefe. Podem construir obras únicas e serem lembrados por isso, mas não existe filme bom sem roteiro bom. Se contentar com “mas o contraste do vermelho e com o verde naquela cena” depois de um filme com estória mediana é o fim da picada pós-moderna. No fim, é com um bom roteiro que começa todo bom filme, na minha visão geral a respeito do audiovisual.

Seguindo, o roteiro. Ainda não acredito que foi feito. A complexidade não está em uma montagem em vários “andares”, com cronologia quebrada, etc. Não é o editor brincando com a ordem do filme. Respeitando quase o tempo todo a cronologia de acontecimentos, o filme consegue surpreender na sua complexidade. Pode até causar confusão, mas é como em The Prestige (outro filme do Christopher Nolan). A confusão é bem-vinda. Faz parte do show. Não chegamos a nos perder a ponto de ficarmos irritados por isso. Na verdade, deixar se perder é a base de toda a questão. E talvez essa seja toda a base do que eu chamo de “filmes pós-modernos”. A percepção do que é a realidade ou não está tão presente na mentalidade contemporânea que isso se reflete nos grandes filmes dessa era. Seja no Clube da Luta, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Quero Ser John Malkovich, Matrix, Fonte da Vida, Vanilla Sky, Lost... Todos nos deixam um pouco “lost”, sejam nas temáticas, no suspense não resolvido e em aberto, quebrando-se cronologias ou usando da metalinguagem.

Talvez Apocalypse Now e 2001 sejam os únicos filmes clássicos (muito) anteriores a todos esses que tenha criado tal “aura”. Antes deles, a grande “aura” do cinema foi mostrar mocinhos que não eram tão mocinhos e bandidos que não eram tão bandidos. A ambiguidade substituindo o dualismo maniqueísta que reinou até o meado dos anos 60 foi a marca da modernidade no cinema. A marca da pós-modernidade, portanto, é uma expansão daquela percepção. O preto e branco se misturou de tal forma que o pós-modernismo no cinema questiona se sequer estamos vendo cores ou não. O que é o deserto do real?

Vamos falar do que podem ser os dois únicos aspectos negativos do filme. Nº 1, ele chega a ser megalomaníaco demais. Mesmo com os poucos alívios cômicos (que eu particularmente achei forçadinhos), eu respirei muito pouco durante o filme. Tudo a toda hora é incrivel e surpreendente, chegando a quase exaustão. Há também muita informação pra acompanhar. Pelo menos, peca pelo excesso.
Nº 2, pode exister uma ideologia “maligna” por trás de tanta complexidade e profundida da história. Digo pode, porque essa é a percepção que eu tive da primeira vez que assisti o filme. E outras pessoas me relataram o mesmo. Na verdade, o problema está justamente nessa megalomania do filme. Com tanta coisa que acontece, nosso cérebro joga pra escanteio as reais motivações pra tudo que acontece na trama.

Todo o trabalho homérico do protagonista e seus comparsas é em função de um empresário japonês que quer que o herdeiro de uma mega-empresa energética dissolva seu império em empresas menores, de forma a acabar com um possível monopólio. Lendo aqui parece muito claro. Mas na montanha russa de emoções num crescendo imparável do filme, dá pra entender que o empresário japa quer destruir a mega-empresa do outro pra criar o seu próprio monopólio.
Sabe o que é mais lindo e sombrio? É que mesmo entendendo errado da primeira vez, o filme te convence completamente a compactuar com seja lá o que o empresário quer no fim das contas. O foco é na empatia com o protagonista e com o desenrolar fantástico de eventos da estória, como todo o bom filme deve fazer. É tudo tão foda que aceitamos.

Mais curioso e sutil é o “Welcome to the United States” perto do final no aeroporto (que acabou não sendo nada sutil graças a ideia de alguém de legendar essa placa que está lá em cima na tela, não tem muita importância e nem é muito percebida). Aí já estamos indo longe demais, mas é um elemento básico de boa parte das estórias, o “volta para casa”, que é tirado da Odisséia grega.

No fim, de que trata o filme? É uma volta ao estado original das coisas, consertar o que está errado ou foi destruído ao longo da estória. O protagonista volta pra casa e pra seus filhos. Sua mulher não volta porque obviamente não iriam trazer ela dos mortos nesse tipo de filme. Mas como é que se retorna ao estado original das coisas, então? Superando o trauma da morte. O protagonista se perdoa de sua parcela de culpa por tudo que pode ter causado direta e indiretamente a morte de sua amada. Essa é a volta à origem. E o artifício do filme é materializar esse conflito criativamente com as representações dos subconscientes dos personagens e usar bem todas artimanhas dos blockbusters, que invariavelmente chamam a atenção do público e fazem ele ser visto de verdade e não ser um linda obra completamente esquecida. Quando Cobb está com Mal no limbo, ou melhor, com a projeção que ele criou de Mal no seu subconsciente, e fala que ela é só uma sombra do que foi sua mulher real e que ele tem que deixá-la, isso é a representação física do ser humano superando os traumas da sua mente, seu apego ao passado, ficando finalmente mais zen.




Fico agora com aquela tristeza de quando acabamos um bom livro. Sempre podemos lê-lo de novo, mas nunca vai ser a mesma coisa. Ou melhor, nunca vai ser tão bom. Pode com certeza aderir mais (e no meu caso aderiu mesmo), mas nunca vai ser aquela torrente de espanto como da primeira vez. Não sei quando Nolan vai conseguir igualar algum futuro trabalho sequer nesse mesmo nível, pois superá-lo já me parece quase impossível. O próximo Batman com certeza vai me emocionar muito, mas é por ser uma continuação. Mesmo que seja uma bela merda, vou aplaudí-lo e defendê-lo pela ligação emocional com a série de filmes. Mas essa ligação nunca foi feita a respeito da minha infância, lendo os quadrinhos, me fantasiando de Batman no Halloween, etc. Eu nunca gostei de Batman. Torci o nariz pra querer ver o Batman Begins. É um mestre como o Christopher Nolan que consegue fazer as coisas diferentes. Destruir todos os preconceitos que eu tinha. Só ele conseguiu provar que todas pessoas são tão imorais quanto o Coringa.

A Humanidade é trágica e imoral, andando aos tropeços em um teatro de ilusões. Ilusões da memória, ilusões e grandes truques, ilusões e teatralidades quirópteras, ilusões do subconsciente, dos sonhos e da realidade. Essa pra mim é a ideia que permeia toda a obra de Christopher Nolan. E é nessa ilusão que o próprio cinema se encaixa, nos fazendo viajar e se fascinar. Nolan nos vende essa ilusão audiovisual, uma mentira que adoramos. E adoramos as características dos seus personagens, sejam bons ou ruins. Tudo conforme os planos de um sujeito sorridente que nos dá percepções e ideias que se implantam nas nossas mentes, conscientemente ou inconscientemente, como um vírus. Um meme se multiplicando como uma cadeia de DNA num palco de uma odisséia pós-moderna.

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