domingo, 3 de outubro de 2010

Porta de entrada para a Sicília

Muitas vezes me surpreendo com a capacidade de filmes conseguirem exprimir em 2hrs ou mais uma vida inteira de um personagem. No caso de "Bàaria - A Porta do Vento" esse personagem é o siciliano Peppino Torrenuova . Ou melhor, será que o personagem não é a própria Sicília? Ou é boa parte da História da Itália do século XX? Talvez todos juntos, somados às memórias do próprio diretor e roteirista Giuseppe Tornatore (de “Cinema Paradiso”), é que formam o protagonista e a “aura invisível” desse belo filme.


Dá pra vermos boa parte da história Sicília e em geral da Itália, mesmo que um retrato pitoresco e até talvez “pra inglês ver” feito de colagens de diversos elementos, desde o início dos mafiosos, dos fascistas, passando pela liberação americana na 2ª Guerra, a democracia com os emergentes movimentos de esquerda, até algumas cenas das cidades atuais. Todos acontecimentos são permeados por inúmeros personagens, cada um com elementos que os tornam únicos e os identificam mais facilmente entre eles (gimmicks e kitsch pululam proeminentemente). O protagonista é primeiramente um garoto pobre, que é “alugado” pelos pais para trabalhar junto com um pastor de cabras, busca o amor de Sarina, filia-se ao partido comunista e tenta até se eleger deputado, enquanto vai criando um filho atrás de outro.


O filme infelizmente apresenta problemas consideráveis. Há excesso de informação e personagens. No início há cortes de um plano para o outro num estilo videoclipe desnecessário. O corte entre as cenas às vezes não funcionam, principalmente por elas retratarem estorinhas paralelas diversas. E na parte de efeitos na pós-produção, o pouco que há de efeitos digitais são feios e nem eram necessários.
O pior de todo o filme é sua sequência final, que pra mim foi muito menos compreensível que o final do 2001. E foi algo sem muito propósito. Enfim, não entendi até agora. Nem o que significa, nem o porquê de ele ter sido feito. Poderia ter sido uma morte típica (eu adoraria ter visto uma morte do protagonista sentadinho em uma cadeira, à lá The Godfather III) que teria funcionado e fechado bem melhor.


Dito tudo isso, sigo recomendando muito o filme. Não é só interessante culturalmente e historicamente, os seus inúmeros personagens são muito carismáticos. Aqueles italianos exageradamente dramáticos, explosivos e/ou debochados que muitas vezes permeiam o filmografia italiana está retratada em todos seus aspectos. Seja num filme do Benini, que consegue criar situações de graça e ternura um campo de concentração nazista. Ou num do Fellini, com elementos fantasiosos que mostram excentricidades ao mesmo tempo que tem seus personagens sofridos e cheios de crises existenciais. Até o “menos italiano” Sergio Leone, que tanto retratou o Velho Oeste americano, transparecem essas mesmas idiossincrasias em seus personagens (principalmente no Tuco do “O Bom, O Mal e O Feio”). Não posso falar do Tornatore, pois esse foi o 1º filme dele que eu assisti, mas ele aglomera todas essas características muito amáveis e interessantes. Conseguem envolver muito bem o espectador, nos dramas, na política, no humor e no próprio cinema da época, retratado com especial atenção por Tornatore, provavelmente tirado de suas memórias quando garoto.


É bom, bonito, enriquecedor e entretido, mesmo com algumas falhas. Recomendo.

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