domingo, 3 de outubro de 2010

Um lar utópico de interesse e ridicularização

Entre o interessante e o totalmente ridículo. Acho que é a melhor definição que dou para esse “Nosso Lar”, a mais nova incursão no mais novo sub-gênero do cinema nacional: o “espírita movie”.

Depois que deu retorno, a Globo curtiu muito essa parada de espiritismo. Atacaram no cinema com Chico Xavier, nas novelas com Escrito nas Estrelas e nas séries com A Cura. É com certeza um baita segmento de público: no mínimo há 2 milhões de adeptos do Kardecismo espírita no Brasil. Supondo que todos curtam TV ou cinema e tenham dinheiro e tempo de usufruir dessas artes e entretenimentos, são 2 milhões de espectadores garantidos. E mais os curiosos, como foi o caso de mim e da minha mãe nessa tarde chuvosa.

“Ok, deve ser pura merda em conteúdo, mas vamo lá matá a curiosidade.” Pensei comigo. E saio da sala de cinema com aquela impressão do início do texto. Assisti um filme que técnicamente faz juz aos R$20 milhões empregados nele (tirou o “Lula- Filho do Brasil” do título de mais caro filme nacional). E sua estória e conteúdo são interessantes, até envolventes, e no fim voltamos à realidade com os últimos dizeres do filme, que te lembram que ele é “baseado em fatos reais”. Aí nos damos conta que não estávamos vendo um filme fantasioso do Peter Jacksson ou um livro viajado de ficção. Tem 2 milhões de pessoas que supostamente vão sair do cinema acreditando piamente no que acabaram de ver mas que se tivessem saído de A Origem certamente falariam:

- Que filme mais maluco esse, né?


Pois amigos, por mais improvável que sejam os acontecimentos d’A Origem, ele sabe que é ficção e é muito mais verossímel que uma colônia de ectoplasma que fica pairando invísivel sobre a Terra. Ééééé, seu Chico e seus amigos que escreviam os livros junto com ele (e deixaram os créditos só à ele) fumavam muito bagulho ou eram realmente criativos. Isso não dá pra se jogar fora, a estória é uma viagem de muita criatividade.


Nos aspectos técnicos temos uma pós produção de efeitos digitais gringos, feitos pela galera do Watchmen, que conseguiram a façanha de criar uma Brasília futurista, ainda com os traços do Nyemaier. Alguns, porém, são lamentáveis. Parece que deixaram pra Globo fazer. A música também do gringo Philip Glass (Show de Truman, As Horas, O Ilusionista) mantém o espírito (sem ironias). Destaque especial para a montagem, com transições fantásticas e criativamente executadas entre os diversos mundos e épocas.
A produção é média. Se a direção do brazuca Wagner de Assis e a fotografia de Ueli Steiger (também gringo, fotografia de “O Dia Depois de Amanhã”) são muitos boas, a reconstituição histórica com figurinos e cenários bem convincentes, as atuações atrapalham muito na imersão. Alguns são constangedores de tão amadores. O protagonista, feito por Renato Prieto, é um ator famoso no círculo espírita por atuar em várias peças espíritas. E é isso que ele deveria seguir fazendo. É notável que ele nunca tinha atuado com uma câmera na frente. Todo seu estilo, linguajar, pronúncia, tudo é do teatro. Os personagens em geral também seguem um nível parecido. Só os globais conseguem ser mais decentes. E um amigo meu dizendo que o Werner Schünemann era ruim...


A pré-produção é aquilo... Se os roteiristas mudassem muito o livro, a Federação Espírita poderia tirar o patrocínio. Então ficou aquele linguajar antigo para as partes de época (até ok) e diálogos de padre no mundo espiritual. Realmente irritante. Nenhum espírito sabe falar de forma coloquial?
No conteúdo, é uma estória de redenção (como nenhuma religião podia deixar de ser) de um médico que viveu em excessos (nunca se vê os tais excessos, mas dá-se a entender que ele bebia afú pela sua morte com dores no fígado ou sei lá o que. Ah claro, como médico, ele era ateu. Heresia!!!) e classificam sua morte como suícidio inconsciente. Depois de passar por uma lavagem de alma, ele vai se inteirando de como funciona o pós-morte, os ministérios e gabinetes do mundo espiritual, como conseguir créditos para poder mandar mensagens aos familiares vivos e passa por uma jornada de melhoramento da sua personalidade. Enfim, salvação.
A grande questão dessa tal cidade espírita é que ela é uma verdadeira Utopia. Tudo que você fez de ruim na vida terá de ser vivido na pele para a pessoa se arrepender. E ao chegar na colônia espírita, tudo que a pessoa faz de bom é recomensado na medida certa e tudo que ela faz de errado é punido na medida certa. Essa é a melhor definição de utopia. Na vida real não é bem assim. Pra que fazer o “bem” se não é certo que vão lhe aplaudir por isso? Por que não passar a perna em alguém, já que é fácil sair impune? Essa utopia pós-morte, esse karma, o medo de sofrer as consequências pelos nossos atos é a base de funcionamente de boa parte das grandes religiões do mundo.


Particularmente eu não gosto de nenhuma crença religiosa. Gostaria muito de viver em um mundo em que as pessoas fossem racionais e evoluídas o suficiente para superarem tudo isso, mas essa é a minha utopia. É pedir demais. As crenças religiosas tanto produzem preceitos éticos que só são respeitados quando postos na posição de “palavra divina” como também formam uma orda de fanáticos descerebrados. Sem religião essa irracionalidade e fanatismo não se expressaria de outra forma? Provavelmente, até porque o futebol tá aí pra provar isso. Mas gosto de pensar que ainda assim seria um mundo melhor.


No fim, fico meio assim de quantas criançinhas estão sendo envenenadas com essas lavagens cerebrais ou se isso vale como lição de moral, mas pro cinema nacional é excelente. Começa assim, com coisas que vão ter retorno certo. Um dia vamos ter esse dinheiro pra gastar com uma ficção científica de verdade.
Agora gostaria de assistir de novo A Origem pra me desintoxicar. Boa-noite, vivos!

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