sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um pouco do meu DNA memético

Tudo começou com Jurassic Park. Só a possibilidade de ver dinossauros gigantescos caminhando era algo completamente fantástico. A questão da “fábrica de sonhos” e da “magia do cinema” começaram a se cristalizar a partir daquele momento em que se revelava um “pescoçudo” de 33 metros da altura se alimentando de eucaliptos. Pois bem, ali se plantou a sementinha do mal, mas ainda não no sentido completamente compreendido como uma paixão pelo audiovisual ficcional. Foi mais uma paixão pelo que ele mostrou, à época, que eram criaturas das quais só se tinha noção em fotos de fósseis e se imaginava como teriam vivido, andado, se alimentado, etc. Só alguns anos atrás que percebi como foi ali que, perdoando qualquer conotação homossexual, Steven Spielbergh me fez perder meu cabaço cinematográfico. Ainda assim, eu era mais um aspirante à paleontólogo do que cineasta.
Após essa nossa primeira vez, só podia esperar por mais. E essa veio, mas não diretamente desse judeu queridinho de Hollywood sentado na sua cadeira com os dizeres “Director” atrás, e sim de uma “mera” produção executiva. E essa produção executiva era o MIB. E olha que, mesmo não tendo nenhuma autoria sobre a obra, esse filme tem mais um dos temas recorrentes de Spielbergh, além de velociraptors ou tubarões, que são os alienígenas. Como a propaganda da Globo dizia com muita alegria “de Steven Spielbergh”, pra mim não teve erro, fui ver bem alegre. E ainda por muito tempo achei que era tudo saído daquela cabeça nerd com um boné do ET. E sim, ET’s foi o outro elemento fantástico que me fascinou. Ok, o Will Smith era engraçado o filme inteiro e chamava o ET vilão de “baratão”, mas a falta de seriedade (em relação ao Jurassic Park) não chegou a afetar a credibilidade, por assim dizer. Aliás, foi até pior do que os dinossauros. Veja bem, uma coisa é uma criança esperar por um futuro próximo onde cientistas conseguiriam clonar dinossauros e fazer um parque temático (algo que sigo esperando), outra coisas é a possibilidade de vida fora do planeta Terra estar infiltrada entre nós. Cara, isso é outro nível! Conspiração o suficiente pra abismar qualquer infante. Os alienígenas estavam entre nós, sem dúvida.
Toda essa paranóia só se agravou com o desenho. Aliás, pra ser bem sincero, não lembro até hoje se assisti primeiro ao desenho no Cartoon Network, ou ao filme que o Steven produziu. Mesmo com todo o lance da propaganda da Globo ecoando no meu cérebro e me atraindo para ver uma outra obra supostamente do mesmo cara que mostrou dinos “reais”, não descarto a possibilidade de que o meu vício infantil (TV ligada no Cartoon Network todo dia) pode ter-me feito assistir ao desenho primeiro. Porque mais forte que a propaganda da Globo ecoando, é a lembrança de quando descobri que o desenho foi feito depois do filme, o que sempre achei o oposto. Então, sigo com essa dúvida amargando minha consciência.
Pois bem, o desenho. E que desenho! Ele era muito mais sombrio, apavorante e paranóico que o filme! Filme que era pra “gente grande” também ver e que tem gente real. Desenho, que é pra criança sem discernimento do mundo, era muito mais crível que o filme, que era pura comédia escrachada. Nada pior que cada episódio o narrador enunciar:
- MIB, Homens de Preto. Episódio de hoje: “A síndrome de ...”

Caralho! Que diabos é o significado de “síndrome”!? Como uma criança feliz vai saber isso? Então, talvez já vem daí o meu futuro apreço pela loucura e afins. Esse desenho me gerou, com certeza, uma síndrome.
Para piorar ainda mais a situação, logo veio um “genérico” do desenho do MIB, “Os Mixtérios de Roswell” (com aquele “x” porque o locutor não escondia seu carioquês). Bom, aí fudeu tudo. Aliens não só existiam como eram as origens de todos outros relatos míticos, como bruxas, lobisomens, zumbis... O estrago estava feito. Benzadeus que na época eu não tive contato com Arquivo X, se não estava cursando jornalismo pra escrever pra revista UFO (será que realmente precisa de diploma pra escrever nela?)
Os filmes de et’s de Spielbergh, que propriamente o lançaram como o “diretor alienígena”, Contatos Imediatos de 3º Grau e ET, só fui ver muito depois. Mas enfim, Steven Spielbergh era o primeiro nome de cineasta que meu cérebro wikipédico armazenou na memória. Alguns anos depois, toda a febre pelo sujeito voltaria de maneira gloriosa, dessa vez sem ET’s nem brontosauros, mas com uma história muito mais real. Tão real que, pelo menos o seu cenário, era real. Ou melhor, foi real. Falo-lhes da 2ª Guerra Mundial e como Hollywood foi para o combate (e voltou a fazer um filme de guerra que chama se a atenção do mundo) com O Resgate do Soldado Ryan. A febre foi tão grande, mas paradoxalmente foi o último título a filmografia Spielberghiana que me chamou a atenção e também o título que me fez de certa forma desgostá-lo anos depois.
Eu e meus amigos nerds tínhamos encontrado outro tópico de discussão que não fossem extra-terrestres, (não posso me esquecer que na época que vi O Resgate do Soldado Ryan foi anos depois do lançamento no cinema, até porque em 98 eu não tinha nem a pau idade pra poder ver tripas estendidas nas areias de Omaha Beach) até porque “Sinais” era o filme do momento (aliás, meu filme favorito com aliens). Agora poderíamos falar de assuntos realmente relevantes como História e Política (lá se vai a paleontologia e a biologia). Como na época do MIB, outros elementos se agregaram para aumentar ainda mais o meu zietgeist pessoal do momento: era o jogo Medal of Honor. Eu podia ser completamente descordenado tentando dar tiros com uma Mosin Nagant com um mouse, mas foi com certeza uma experiência sem iguais. Enquanto a febre das lan-houses se inicia com os nerds mais patéticos jogando RPGS e a pirralhada genericamente chata matando a si mesma no Couter-Strike (“Que jogo imbecil” era meu pensamento na época) nós nos deliciávamos com as tecnologias arcaicas dos anos 40 e com a atmosfera de tragédia humana que pairava nas eternas nuvens cinzas dos cenários do jogo.
Mais adianta, haveria mais uma pedra no meio desse rio que viria a ser tornar o rival de Medal of Honor nos jogos de tiros de primeira pessoa, chamado Call of Duty. Naquele momento, não só eu e meus comparsas nos inclinávamos menos ao lado dos americanos quanto deveríamos estar inclinados (seria uma raiva em relação a Guerra do Iraque que se iniciava? E ainda assim, a guerra americana contra os nazistas nós apoiávamos...), aí me vem esse jogo muito mais elaborado e de proporções épicas que coloca o jogador na visão não só de um soldado americano, como de um britânico (“Hmmm, parecem mais boa gente”) e de um russo (“Caralho! Esses caras são muito fodidos e fodas!”). O brilho do Dia D começava a se desgastar em relação à heróica resistência russa em Stalingrado. O meu filme de segunda guerra favorito passava a ser Círculo de Fogo. Antes a suástica e a águia pareciam um símbolo assustador de poder, mas agora encontrava na foice e no martelo numa bandeira vermelho sangue um símbolo de força que não fez campos de concentração para incinerar corpos de narigudos do clã Spielbergh. E com a minha professora de geografia falando que no comunismo todo mundo ganharia pelo menos um casaco, poxa, aqueles barbudos bigodudos devem ser muito legais.
Como Winston Churchill (que entre todos líderes da 2ª Guerra acabou prevalecendo para mim até hoje como o melhor ou “menos pior”) dizia “Quem não foi comunista até antes dos 20 anos não tem coração.” Que foi o meu caso. Depois eu entendi a segunda parte da citação que seguia com “E quem segue sendo comunista depois dos 30 não tem cérebro.” É, depois de ler 1984, meu livro favorito, no fim do 1º ano do ensino médio, já dá pra desmistificar vários elementos da utopia comunista. Acho que desde então que eu e o Cazuza estamos procurando uma ideologia pra viver. E não é Marina Silva que me convence de ser um verde.
O que me fica muito dessa época é o interesse em política, história e videogames. A parte de história e política ainda se repetiria na imersão em mais um filme da época, analisando outro Reich, mas aquele controlado por Júlio César. “Gladiador” foi outro marco importante, de forma que mesmo podendo hoje observar todos os exageros e erros históricos típicos dos épicos, não posso deixar de amar O Último Samurai ou God of War.
Voltando ao fator cinema, sem esquecer a política, e ainda por cima juntando dessa vez a biologia, co-irmã da paleontologia dos dinos, vou a uma das maiores influências minhas até hoje. Antes de 1984, antes de me tornar um cinéfilo. Falo de mais um videogame (sim, minha nerdice é incurável), a obra-prima definitiva que mudou tudo: Metal Gear Solid. Talvez o mais próximo de um filme interativo. Mesmo com seus personagens gimmick e kitsch ao estilo quadrinhos, desenho animado e filmes b exploitation, era o mais impressionante roteiro que eu já tinha visto se desenrolar diante dos olhos (e em alguns momentos com o controle na mão efetivamente fazendo alguma coisa). Cara, o jogo tem mais tempo de animações e diálogos de rádio do que um épico de 2hrs40min.
Nunca mais me sai da cabeça as diferentes frases e expressões de cada personagem. As dublagens, mais afudês que muitas atuações por aí, constantemente me afloram e me fazem repetir falas com imitações melhores do que as de Sílvio Santos. E o mais curioso foi que Hideo Kojima, o primeiro nome de um criador de um jogo que tornou-se popular, me ensinou mais sobre cinema do que eu conseguia entender assistindo um filme. Já que os elementos narrativos, lingüísticos e estéticos do cinema estavam se apresentando em outro meio, ficaram mais fáceis de se delinear. Sou eternamente grato a esse sujeito. Mudou meu jeito de ver a vida humana inteira, graças a quantidade de Teoria do Gene Egoísta que ele carregava e explicitava. Se eu já tinha uma mente meio de biólogo desde Jurassic Park, aqui dói a aplicação filosófica à vida em geral. Com tantas teorias e conspirações governamentais, criando em mim um senso crítico em relação a quase tudo que carrego até hoje, e juntamente com a linguagem cinematográfica aplicada a uma obra audiovisual interativa digital, os memes do meu cérebro nunca mais foram os mesmos (e se eu estou usando a palavra meme é por causa das ideias e teorias contidas no Metal Gear Solid 2 Sons of Liberty).
O vício chegou a estender-se até a marca de cigarro que eu fumava (“Só Lucky Strikes, porque é o que o Snake fuma no Metal Gear 2 do MSX”) até ano passado. E sabem do pior? Ainda não joguei o Metal Gear Solid 4. Quando terminá-lo 3 vezes fazendo tudo, posso morrer feliz.


Ainda tem Quentin Tarantino e como usar referências de filme ruins pra fazer um filme verossímel e bom (e influenciando todo um respeito pelos exploitation e principalmente os Spaghetti Western e filmes de gênero italiano e criando outro culto, que se chama Clint Eastwod {junto com Solid Snake e Jack Bauer, o exemplo de macho alpha que inconscientemente todo homem precisa}) e toda a cinefilia que tomaria conta de mim definitivamente a partir do 1º ano do ensino médio, 24 Horas com o seu agente do governo em uma trama tensa (ecos de Solid Snake), Lost e sua ficção científica (com um final nem tão científica assim) ampliando horizontes de cenário (sem futurismo ou cenário urbano) e de nível dramático (sim o final é ruim, mas chorei bastante na hora do adeus), e até o recente The Office (me alegra muito na vida e é um reflexo do cotidiano muito bem feito, com personagens que me identifico (trama amoroso de Jim e Pam) e outros que fazem coisas ruins, mas sem querer e que às vezes fazem o bem, além de muita sinceridade: “Eu não quero um puxa-saco que seja assim porque pode ascender na vida dessa forma, eu quero um puxa-saco que seja assim por realmente me amar.” Enfim, um reflexo da vida, do jeito das pessoas e como temos que aturá-las com seus jeitos e também um reflexo das contradições da vida.)

Sei lá, usei muitos parênteses e quero sair do PC agora. Outro dia me aprofundo mais e segui para o próximo capítulo de minhas memórias meméticas. Vou assistir Navajo Joe agora.

sábado, 10 de julho de 2010

Assentos espaçados

A solidão é um estado de não conexão com outros indivíduos, que em contra partida cria outras conexões, todas com um grau maior ou menor de ridículo e obssessão. Depois de passar um tempo em silêncio em uma sala escura e mesmo depois de acabada a sessão, ficar sem trocar muitas palavras com as pessoas ao redor, o que se quer? Ficar mais tempo em silêncio, sozinho, deixando a película de prata iluminada danificar mais um pouco a córnea ocular.

Enquanto isso, tento me acalentar de alguma forma com as músicas lindas e tristinhas do lado b do Abbey Road.

O sanguessuga e o primata




Ainda dentro do Fantaspoa, teve um dia que encarei uma sessão dupla: "Strigoi", um filme britânico ambientado no interior da Romênia, e "O Garoto Macaco", filme italiano que era para ter contato com a participação do diretor e do diretor de fotografia. Pena que eles não puderam comparecer, pois os dois influenciam muito na maneira que a história é contada.

Strigoi não só se passa na Romênia, mas é um grande parte um filme romeno. Quem assistiu já "Casamento Silencioso" vai entender. Não dá pra chamar de um movimento cinematográfico, mas naquele país se fazem filmes que são o equivalente do realismo fantástico literário nas telas.
De início acompanhamos um jovem do vilarejo investigando a morte de um velho do local, fato que aparentemente causou mais alegria do que lamentação na população local. O protagonista quer saber o porquê e assim segue uma trama de suspense com tons humorísticos constantes. Humor muitas vezes absurdo e surreal, e aí que há boa parte da graça. Depois que se descobre o que é o Strigoi do título, o lance começa cada vez mais a pender para o realismo fantástico e sobrenatural, mas tudo se desenvolve no seu tempo e de forma que não é uma reviravolta barata.
O único problema do longa é que justamente para ter uma progressão não óbvia, a investigação acaba meio arrastada demais. Depois de certo ponto a platéia já abraçou a ideia do título do filme enquanto que o só o protagonista insiste em ser cético (e portanto, chato). Não acontece o lance de o roteiro estar sempre a frente dos espectadores. Ainda assim, nada que coloque o filme abaixo do nível de bom.
As músicas, como em um bom filme romeno, é fantástica, cheia de temas cativantes com instrumentação típica e inclusive umas 3 canções do Beirut, o que casa muito bem com leste europeu.

http://www.youtube.com/watch?v=_tmxa8NZN3Y


Já a segunda parte da sessão dupla foi foda em todos os sentidos. Se Strigoi prezou por ser seguro e sucinto em seus modos de produção, fora uma câmera lenta aqui e ali junto com a trilha balcãnica, em O Garoto Macaco tudo foi pensado com um conceito a ajudar a contar a história.
Direção sempre com planos subjetivos e muito próximos, cortes rápidos, uma fotografia barroca(muitas áreas de sombra e alguns focos de luz), roteiro fragmentado em capítulos que vão e voltam na ordem cronológica (contando a história de cada personagem envolvido), música envolvente que casa perfeitamente com o clima.

Com uma abertura em animação linda, contando um conto de fadas um tanto sombrio, segue-se uma história fantástica com só o essencial sendo dialogado, que de resto as imagens dão conta de contar. E a história se conta perfeitamente.
O problema é que tudo que o roteiro não precisou de muito diálogo entre os personagens pra se desenvolver, ao longo do filme a narração inicial do conto de fadas acaba sendo evocada vezes demais pra explicar analogias entre o conto e os acontecimentos reais, de forma que cansa o público que já entendeu.

Tanto no conto de fadas como na realidade do filme temos uma menina e seu pai. O grande problema é que a garota sofre de um alto nível de autismo, vindo de eventos que depois são revelados (na forma de uma memória que mais parece uma cena de teatro, muito afudê) e não se comunica de forma alguma com o pai. E um dia, a garota se encontra com o tal ser do título do filme e ambos passam a ter uma conexão nas suas excentricidades. Falar mais que isso estraga. Os eventos se desenrolam de forma que escapa ao controle de qualquer um dos envolvidos, tudo devido às incompreensões de uns personagens com os outros.

Só digo que tudo é muito bem feito nessa versão diferenciada, sombria e complexa de A Bela e a Fera, como disse o diretor Antonio Monti no vídeo depoimento antes do filme. Confiram:

http://www.youtube.com/watch?v=Fxo03IdCzZ8&feature=player_embedded

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Uma noite fantástica por um mundinho fantástico





Acabo de voltar do Santander Cultural, onde rolava uma sessão de um filme parte da VI edição do Fantaspoa - Festival Intenacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre. Pra quem não tem a mínima ideia do que é isso, a parte do "Fantástico" se refere à filmes de conteúdo fantasioso e pura ficção. Ficção todo filme é, mas nesse caso é algo realmente extrapolante. A grande maioria das películas em exibição até domingo dia 18/07 são obras de terror, suspense, ficção cietífica, fantasias quase surreais ou coisa parecida.

Quem quer saber mais e ver a programação, http://www.fantaspoa.com/2010/index.php



Agora vamos à tal sessão. Devo dizer que foi a primeira da história do festival que eu fui e também a primeira vez que vou ver um filme no Santander Cultural. À primeira vista, já me surpreendi pelo ambiente mais "bem acabado" e pela quantidade de cadeiras. Geralmente esses cinemas de "filme arte" e etcs são pequenos, de espaço ruim e qualidade da imagem e som ruins. Não é o caso aqui, que tinha um número de assentos maior e a projeção do filme, feita direta de DVD, estava muito boa.
Outro detalhe, não só me surpreendi com quantos assentos tinha como também com a quantidade de gente que foi. Na boa, não esperava quase ninguém e vi uma boa quantidade de gente disposta a ir num cinema fora de uma shopping, menor e com filmes mais do lado B, numa quarta-feira à noite.

O filme da vez era "Uma Noite na Cidade", de título original e impronunciável em tcheco. A direção e co-roteirização é do Jan Balej, que escreveu o filme junto do Ivan Arsenjev. Produção de Viktor Mayer, música de Tadeas Vercak, design de som do Zbynek Mader e fotografia de Miloslav Spála.


Citei os nomes de todos esses envolvidos não só porque consta no site do festival, mas porque todas essas partes do todo foram feitas com maestria. Música, fotografia, direção de arte, direção, efeitos sonoros e o roteiro, todos casam perfeitos entre si para contar a história de forma magnífica. Claro, a direção de arte do mini-mundo dos bonecos animados, as suas animaçãoes e o roteiro merecem um destaque à mais. Porra, é impressionante a criatividade das diferentes situações e personagens do longa. Mesmo ele sendo separado em três segmentos que pouco tem a ver um com o outro, fora o estilo, narrativa e estética, é um filme perfeitamente apreciado por uma criança de 5 anos e um senior aposentado.


A história é dividade entre 3 partes, a 1ª e a 3ª compreendendo personagens que se cruzam de longe entre si e a 2ª parte, a mais surreal de todas, composta por dois personagens muito bem construídos e peculiares. Tanta desconexão não chega a incomodar, pois a cada momento focamos numa história que é interessante e dá variedade à obra. Se trata de uma animação em stop-motion (aquela da Fuga das Galinhas e Estranho Mundo de Jack, com bonequinhos que são milimétricamente mexidos e fotografados a cada mexida para no fim eles parecerem terem vida própria). Os bonecos eu acho que são de madeira com peças articulas, com formas bem caricatas e engraçadas. Destaque pra um gato feito com latão (igual aos de assar churrasquinho de gato, hehehe) e o rosto é só uma parte de uma fotografia de uma pin-up.

Não quero estragar nada, porque todas histórias são muito inusitadas e fodásticamente criativas. O máximo que posso falar é como boa parte das histórias lida com as loucuras e bizarrieces humanas de forma muito cômica e interessante.

O outro grande lance e certo diferencial do filme é que ele simplesmente não tem diálogo. Porém, ele está longe de ser um filme mudo. Os personagens até dialogam, mas são somente grunhidos enrolados que não formam língua nenhuma (por mais que a língua tcheca deva ser estranho pra cacete). Dessa forma, mesmo sendo da República Tcheca, é perfeitamente inteligível para qualquer um.
O ponto importante do filme e sua sonoridade são os efeitos sonoros. Eles dão toda a vida para as ações dos personagens, tornando aqueles bonecos inanimados em seres mais próximos de possuir carne e osso. Some aí a música fantástica e se tem algo que daria pra imaginar Chaplin fazendo hoje, se estivesse vivo.

Todos esses elementos curiosos não fazem de Uma Noite na Cidade uma punheta de "arte pela arte" ou algo pretensioso demais. Sim, eu não sei se vi coisa parecida, portanto ele sem dúvidas é inovador. Mas mais do que isso, a capacidade de manter o público atento às diferentes histórias surreais é o arroz-com-feijão do filme. Posso exagerar no lance de criança de 5 anos, que não entenderá algumas insinuações sexuais e podem se traumatizar com a única cena com sangue(só que é sangue de massinha de modelar!) do filme, mas boa parte é compreensível pelas mais diversas pessoas em diferentes idades e divertindo-as na mesma proporção.

Realmente, é fantástico.

domingo, 13 de junho de 2010

Bafana, bafana!




Como falei aluguei também esse fim de semana o filme "Mandela - Luta Pela Liberdade", ou Goodbye Bafana, no original. Aproveitando a Copa na África do Sul pra entender mais do país.

Já escrevi sobre o Invictus, filme do Clint Eastwood que retrata a época presidencial do Mandela durante a Copa do Mundo de Rúgbi, mas esse outro filme sobre a história de Nelson é muito mais abrangente que o Invictus. Além do mais, ele também é muito interessante e menos óbvio, pois o protagonista não é o dito cujo, e sim um dos carcereiros de Mandela quando ele esteve no presídio de Rhode Island.
Um carcereiro branco, um homem comum que acreditava nas mentiras do governo, como o suposto plano de extermínio que os negros tramavam contra os brancos. Ele não só muda sua visão de mundo ao longo do filme, como mostra que fazer parte do “sistema” pode ser uma forma de acabar com as injustiças dentro dele.
A história real é tirada do livro Goodbye Bafana, livro de memórias do carcereiro do Mandela. Dirigido sem firulas pelo francês Bille August (já adaptou A Casa dos Espíritos pro cinema) , Dennis Haysbert (já antes de Obama,o primeiro presidente negro americano David Palmer, do 24 Horas) interpreta um convincente Mandela, que vai sendo desenvolvido em 3ª pessoa de maneira formidável. Não chega ao nível de excelência e precisão do Morgan Freeman como Mandela no filme Invictus, mas é muito bom. Já a Diane Kruger (a Helena de Tróia e atriz alemã e espiã do Bastardos Inglórios) e o Joseph Fiennes (Shakespeare Apaixonado, Círculo de Fogo, Lutero), ambos perfeitos.
Muito além dos filmes, a vida desse sujeito é incrível. Ao mesmo tempo que a ditadura do Aparthaied foi muito mais fudida que a nossa ditadura brazuca, a reconciliação democrática era muito mais complicada e funcionou de forma muito mais espetacularmente bem. Na real, me faltam palavras pra falar sobre o assunto. O cara não é o santo pacifista que muitos pensam (e o filme faz questão de mostrar isso) e nem por isso ele é menos digno de elogios. Certamente, haviam muitas coisas pra dar errado, e muitas deram certo, contra todas espectativas. Dá muita esperança de viver e acreditar que muita merda pode melhorar. Recomendo esse filme pra todo mundo.

Chapa nos peito, chute na mente e tiro no coração. Nada mais relaxante pra um fim de domingo...




Aluguei esse fim de semana três filmes: Goodbye Bafana(Mandela - Luta pela Liberdade), Busca Implacável (Taken) e O Sol de Cada Manhã (The Weather Man).

Nesse instante terminei de assistir o Busca Implacável. Ele é notavelmente perfeito em todos aspectos técnicos. A direção (Pierre Morel, fotógrafo de "Cão de Briga") é digna de um filme do Bourne, com lutas corpo-a-corpo muito foda e um ritmo implacável (ahn, ahn, entenderam o trocadilho?). Sua 1hr e 30 min passam como se fossem 15 minutos, o que para um ação/suspense é a marca de qualidade na minha opinião.

Fora isso, o roteiro (de Robert Mark Kamen e Luc Besson , escritores de O Quinto Elemento, O Profissional, Nikita, Joana Darc, Karete Kid, Artur e os Minimoys, Carga Explosiva, Taxi, Bandidas e Cão de Briga) é um típico suspense de ação de agente secreto, o único diferencial talvez seja o cenário parisiense. No geral, a história tá mais pra 24 Horas que um filme do Bourne. A CIA não é inimiga de ninguém, foi ela que deu habilidades para o protagonista (interpretado pelo Liam Neeson, um ator com uma persona artística do típico agente fodão, mas interessantemente com aspecto bem mais velho que a média desses personagens) salvar sua filha. A premissa do roteiro é, digamos, retrógrada, visto que o inimigo é um ser externo ao universo dos personagens "bons". Um tanto de xenofobia com albaneses, no caso desse filme. Mas não creio que a intenção do filme deva ser a de fazer alguma politicagem. É um mero recurso do filme. Só me incomoda que um pai que quer impedir a filha de viajar para Paris porque "eu conheço o mundo e sei como ele é perigoso" parece o tipo de coisa que meu pai diria. E um filme desses serve pra reforçar esse tipo de visão do mundo. Mais estranho ainda, o protagonista parece encarar os EUA como o lugar mais seguro do mundo, coisa da qual eu duvido muito.

Agora, pra defender um pouco, tem gente que vai achar o filme repleto de violência escapista. E é. O ponto positivo é que ele não é o filme que trata de violência e não mostra ela diretamente (apesar de que poderiam ter usado mais bolsas de sangue). Uma cena de tortura bem visceral e outra em que ele atira em uma mulher eu vejo de certa forma como uma coragem cinematográfica. Se fosse só mais um produtinho, seria um filme mais "limpo". Ponto positivo.

No fim, é um filme bom pra se passar o tempo. Nada edificante, nada inovador. Não obstante, é bem feito e violentamente catártico. É só manter uma visão crítica e dar o play.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Escritos ao vento




Um sorriso sacana surgiu no meu rosto quando eu coloquei os olhos sobre o cartaz de papelão do filme O Escritor Fantasma. Na parte de cima estava escrito "Do polêmico diretor Roman Polanski". Hehe, polêmico pelos filmes ele pode ser, mas os marketeiros não escolheram hora pior pra designar esse adjetivo para esse polaco fugido. Até porque, Polanski terminou de editar o filme em casa, já que estava preso pelo suposto crime de "embebedação de menor e sexo logo em seguida".
Que ele fez, é bem provável, mas a própria ex-menor (o crime data dos anos 70) fala que não houve nada. Ela pode estar encobrindo e admitir um estupro é algo muito mais complicado do que o óbvio. Há inúmeros casos de mulheres que retiram a queixa contra o estuprador mesmo ele tendo realmente violentado-as. Dito isso, acho que a grande questão é que o acontecimento caducou há muito e não é uma prisão domiciliar que fará Roman ter mais culpa da consciência do que ele pode ter.

Dito isso, vamos ao que interessa: o filme. Ele é muito calcado no roteiro , como todo suspense, e fora o início meio truncado e silencioso, a trama inteira é conduzido de maneira excelente de forma a criar uma atmosfera tensa e paranóica. Fotografia escura e pálida ajudou muito + direção precisa + atuações fodas.

A história toda é uma crítica indireta ao governo do Tony Blair. O tal escritor-fantasma (Ewan McGregor) se envolve numa trama de intrigas muito maior do que ele poderia esperar quando é contratado para escrever as memórias de um ex-primeiro ministra britânico (o bom 007, Pierce Brosnam).

O roteiro (baseado no livro The Ghost, de Robert Harris, e adaptado por Polanski e Harris)se sustenta muito em alguns poucos personagens. Dessa forma, Polanski tirou o máximo do Ewan McGregor (melhor atuação dele que eu assisti)e da mulher do primeiro-ministro, Olivia Williams (esposa do Bruce Willis no Sexto Sentido). Ao invés de ir num caminho óbvio de mostrar muito uma relação entre o primeiro-ministro e o escritor, esse último acaba mais em contato com a primeira-dama, que nunca se sabe se defende o marido ou está contra ele. Além deles, há o sempre ótimo Tom Wilkinson como destaque. O caminho vai gradativamente ficando tortuoso e claustrofóbico.

Música à moda antiga muito boa do Alexander Desplat (novo nome da trilha sonora mundial, só nesse último Oscar tinham 4 filmes com trilha dele - Julie & Julia, O Fantástico Senhor Raposo, Um Profeta e Coco Antes de Chanel) e utilizada de maneira econômica. Há vários segmentos de diálogo sem música nenhuma, o que acaba sendo muito bom e não cria aquela poluição sonora que muitos suspenses políticos possuem. Um certo minimalismo muito bem aplicado.

É um filme político, que traça um retrato dos jogos do poder atual. De certa forma, é o dito fim do partidarismo, já que o Partido Trabalhista britânico, assim como o PT aqui no Brasil, mostram como jogam o mesmo jogo sujo dos outros que eles cirticam.
Seguindo nessa de que os opostos tem mais em comum do que aparentam, dou destaque pra uma parte muito boa filme:

O primeiro-ministro vai ser julgado por uma comissão internacional de direitos humanos e pergunta pros seus assessores o que ele pode fazer. Nisso eles respondem:

- Podemos permanecer aqui nos EUA, que não aprova a comissão internacional e assim não pode ser investigada.

- E que outras opções temos? Que outros países não seguem também?

- Ah, tem uns na África, tem a Indonésia, China, Coréia do Norte, Irã e Iraque.

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E pra encerrar, há outra passagem do filme muito boa, em que se auto-ironiza o papel social de mudança do próprio filme. O escritor, meio sem saída, fala para um investigador:

- Tu sabe muito bem que estamos nos esforçando muito e colocando nossos pescoços à prêmio, sendo que tudo vai acabar em pizza e ele vai ter uma aposentadoria confortável da CIA?


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Pois é, um filme não muda o mundo, mas pode mudar e influenciar algumas coisas menores, mas não menos importantes. O poder de registro, ficcional e histórico, do audiovisual é que valem muito.

A luta continua!