segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um breve conto para os sonhadores

Os dois acabam seus cigarros, jogam as bitucas no chão. Ela deixa a sua acesa e observa a brasa se apagar, enquanto ele se certifica de pisar e esmigalhar a última ponta da sua bituca. Terminada a chama, ela encara ele:

- Não vamos voltar lá pra dentro.

Ele dá uma última olhada pra casa de shows com seus vidros escuros que estão vibrando no ritmo dos acordos distorcidos de alguma guitarra que abafa qualquer tentativa do vocalista produzir algum som com suas cordas vocais. Ninguém pode dizer que o homem lá dentro com sua boina não tentava se fazer entender. Ao menos pulava e fazia um teatro satisfatório do velho rock n' roll. Nada disso tudo animava ele para voltar lá pra dentro.

- Apoio. - disse ele

Começam a caminhar e se afastar do lugar, indo em direção à esquina escura. Dobrando-a, podia se ver a luz focada e esparsa dos postes ao longo da comprida rua que se apresentava diante dos dois. A garoa presente só se tornava algo visível ao olho quando entrava no campo de luz das lâmpadas amarelas que a prefeitura insistia em não trocar por algo melhor. Era possível ver o ar quente sair pelas próprias bocas e se chocar com o frio mediano do ar na penumbra. A fumaçinha surgia e se esvaecia rapidamente.
Ele tenta olhar pro caminho à frente e de tempos em tempos dava uma espiada na expressão facial dela. Ela caminhava com a vista fixa no chão.
Em um determinada instante, ela levanta juntamente com o momento de uma suspirada forte. A fumaçinha demora mais tempo para se desfazer no ar. Ela vira a cabeça e olha nos olhos dele.

- Tá frio pra caralho.

- Nem tanto assim. - tentando não dar muita atenção à frase banal dela.

Com uma voz um pouco vacilante ela diz:

- Posso andar abraçada contigo? - os pouco confiantes olhos dizendo um "por favor" semi-mudo, focando nos olhos dele.

Agora ele destina uma olhada pra ela, acompanhada de um sorrisinho tranqüilo que some tão logo surgiu.

- Pode sim. - respondendo olhando para a frente de novo.

Ela se aproxima para entrar por debaixo do lado direito do casaco dele. Ele abre o braço para facilitar o aninhamento dela embaixo de sua asa de couro sintético. Ela se encosta contra ele e ele relaxa o braço sobre ela. Caminham mais uns passos. Ela novamente cabisbaixa. Começa a acompanhar os pés de ambos. Esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda, direita.
Quando contar os passos se torna muito agoniante, ela decide passar o braço esquerdo em volta do quadril dele. Para a mão pela barriga dele. Aperta-se um pouco mais contra ele. Ele mexe seu braço também, o olhar no caminho torna-se um tanto vacilante. Ele corta o movimento no meio do caminho, contendo-se. A vista ainda fixa na rua à frente. Tenta manter a indiferença.
Se ela não estivesse olhando o chão, veria que as narinas dele, agora mais dilatadas e bufantes, transpassavam aquela agonia agri-doce típica. No fundo ela não precisava desses detalhes fisiológicos. Sabia muito bem como ele se sentia e como o corpo dele reagia biologicamente à isso.

Ela para de olhar as deformidades da calçada abaixo dos pés e levanta a cabeça. Olha nos olhos dele.

- Como tu ainda tem essa fixação por mim? - ela fala agora com uma agonia. Agonia dela de não entender e querer respostas.

Nesse momento é ele que solta um suspiro. Também relaxa mais a musculatura. Deixa-se solto o suficiente para terminar o movimento do braço que queria ter concluído antes. Os olhos se voltam pro chão. O braço dele envolto na cintura dela.

- Tu sabe como eu te am... - ele consegue olhar nos olhos dela - Te acho uma pessoa maravilhosa. Tu devia se achar também.

- Hmpf - ela volta a olhar o chão - Eu não ser tudo isso. Não pra tu ficar sentindo isso esse tempo todo. Sério, como tu consegue? - ela suplicante pela resposta da questão.

- Porra, tu é tão perfeita pra tudo que importa pra mim. Tudo o que tu quer fazer ou dizer eu acabo achando o máximo. E o teu jeito de falar... tem algo ali que bate comigo, não sei. Eu já sei o que tu quer dizer quando tu ta na 3ª palavra! Isso tem que ser alguma coisa. Eu não sinto coisas assim com mais ninguém.

- Mas que adianta tu me entender e gostar do que eu faço e digo, e do jeito que eu sou se tu não entende que eu não consigo sentir essas coisas por ti. Eu também gosto do que tu e do teu jeito pra certas coisas, mas eu não consigo sentir essas coisas no mesmo nível.

Ela olha para o chão. Os olhos quase chorosos:

- Que merda, e eu sei que tu me ama muito e seria o cara perfeito pra mim. Mas sei lá, não dá. Parece que vou ta te enganando.

Ela volta os olhos meio molhados para os dele:

- Seria tão mais fácil se eu me apaixonasse por ti. - volta o olhar pro chão, agora fechando-os por causa de uma súbita mistura de raiva de si mesma e um cansaço - Puta, por que essas coisas não dão certo?

Ele tem mais vontade de chorar do que ela, mas trancao pranto o melhor que pode. Aperta mais ela contra o corpo dele.

- Eu adoro até os teus defeitos. - ele volta-se para o caminho, pra se concentrar e não balbuciar no meio de uma frase. - Eu gosto porque eu entendo, eu tenho até os mesmo. Eu tenho uma indecisão crônica do que fazer da vida. "Como ganhar dinheiro?" "Como ser feliz e com um emprego bom?"
Eu tenho essas mesmas nuances de humor. Eu fico me auto-depreciando. Quero fazer muita coisa e tenho ao mesmo tempo muita preguiça.

Ele olha nos olhos dela e segue:

- Ah, nós temos esses mesmo livros não lidos na prateleira. - ela sorri um pouco. - E os mesmos cd's atirados em algum pilha. - os dois sorriem um tanto agora. Pausa e ele segue. - No fim, o que nós dois temos são os mesmos "dodóis".

- Poxa, tu que é maravilhoso. Eu não te dou bola, não te dou nada em troca e tu continua andando comigo. O que tu ainda espera de mim?

- Eu no mínimo sonho com o dia em que tu me abrace sem ter o constrangimento de me pedir antes.

Um comentário:

  1. isso me soou... bem, não sei direito. algo parecido com a realidade. enfim, eu gostei do jeito que tu escreveu. é tri bom de ler assim. nãoé chato e massante (tem pessoas que não levam jeito)

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